Não há animal que desperte mais emoções do que o gato! Amado e idolatrado por uns, detestado e temido por outros, este elegante felino acompanha o homem desde a antiguidade. O mais antigo ancestral do gato, de nome Miacis, foi um mamífero carnívoro que viveu há cerca de 40 milhões de anos. Predador de pequeno porte, de patas curtas, garras retrácteis e cauda longa, movimentava-se nos galhos das árvores. Ironicamente os paleontólogos e arqueólogos determinaram que a origem dos
felinos e dos canídeos tem por base o Miacis! A subfamília dos Felinae ou dos Felinos, da qual fazem parte os gatos, surgiu há cerca de 12 milhões de anos, na África subsariana tendo-se posteriormente expandido até ao actual Egipto. Pesquisando os componentes genéticos de gatos selvagens da Europa, da Ásia, da África e do Oriente Médio, concluímos que realmente a domesticação começou na ilha de Chipre, com gatos provenientes do Crescente Fértil, região entre os rios Nilo, Tigre e Eufrates, onde se iniciou a agricultura (Stephen O'Brien, Director do Laboratório de Diversidade Genómica no Instituto Nacional de Saúde Maryland, EUA). Estátuas e pinturas encontradas no Egipto, indicam que a associação do homem com o gato se iniciou há cerca de 9.500 anos. Quando o homem deixou de ser nómada e começou a desenvolver a agricultura, os gatos iniciaram a sua aproximação e desde então traçaram um tipo de acordo tácito de cooperação com o homem. O gato representa a civilização, relação feita a partir da agricultura (António Brancaglion, egiptólogo e professor no Museu Nacional do Rio de Janeiro). Exímios caçadores, eliminavam ratos e outros roedores que atacavam as colheitas, exercendo um importante papel social. Escavações arqueológicas demonstram que este pequeno felino passou a ser idolatrado no Egipto, tornando-se num animal sagrado.

No início da Idade Média tudo se alterou e o estatuto do gato mudou. Associados a rituais de bruxaria, especialmente os de cor preta, foram vistos como espíritos maléficos pelas populações , chegando a ser queimados juntamente com as pessoas acusadas de praticar artes mágicas e de bruxaria. O gato só começou a ser visto de forma negativa a
partir do cristianismo, na Idade Média. Essa ligação maligna foi feita
justamente porque era um animal atribuído aos deuses pagãos (...) tudo que não era da religião católica era do mal e deveria ser queimado na
fogueira. Profissões que tinham qualquer ligação com
o gato também foram condenadas. As parteiras, por exemplo, usavam a deusa
Bastet como símbolo e, por isso, foram denominadas de bruxas. No século 13, a
perseguição foi ainda maior. Com a promulgação de bulas nas quais condenava os
gatos, especialmente os de cor preta, associado ao satanismo, o papa Gregório
IX determinou a exterminação de centenas de felinos
(António Brancaglion, egiptólogo e professor no Museu Nacional do Rio de Janeiro). Nesta altura foram mortos milhares de gatos por superstições, medos e ignorância. Mas o ridículo foi atingido quando o Papa Inocêncio VIII, durante o século XV, colocou o gato preto na lista dos que deveriam ser perseguidos e executados pela Inquisição! Só no final da Idade Média, os gatos puderam respirar fundo e gradualmente foram sendo novamente aceites nas casas para controlar as crescentes populações de ratos. Nos barcos tornaram-se mascotes pois permitiam que cargas de alimentos não fossem destruídas pelos roedores que infestavam os porões, ficando a ser conhecidos como gatos de navio. Com o passar do tempo o gato tornou-se um dos mais populares animais de companhia do homem, transformando-se por vezes em animal de luxo, tais foram as modificações genéticas que foram acontecendo ao longo dos últimos anos.
Transformado em herói dos desenhos animados com o nome de Garfield, das histórias infantis como o Gato das Botas, ícone feminino como Hello Kitty ou como animais de companhia de figuras mundialmente famosas, o gato ganhou o seu estatuto na sociedade dos humanos. Eça de Queiroz no seu livro Os Maias descreve o gato, respeitosamente chamado Reverendo Bonifácio de forma impar: Este
pesado e enorme angorá, branco com malhas louras, era agora o fiel companheiro de Afonso (...) recebera então o nome de Bonifácio: depois, ao
chegar à idade do amor e da caça fora-lhe dado o apelido mais cavalheiresco
de D.Bonifácio de Calatrava: agora, dorminhoco e obeso, entrara
definitivamente no remanso das dignidades eclesiásticas, e era o Reverendo Bonifácio. (...) Era ali, no aroma das rosas, que o venerável gato gostava de lamber, com o seu vagar estúpido, as sopas de leite,
servidas num covilhete de Estrasburgo. Depois agachava-se, traçava por
diante do peito a fofa pluma da sua cauda, e de olhos cerrados, os
bigodes tesos, todo ele uma bola entufada de pêlo branco malhado de
oiro, gozava de leve uma sesta macia. E quando Afonso morre a descrição que Eça faz da dor do gato é soberba: era o gato! Era o Reverendo Bonifácio, que diante do
quarto de Afonso, arranhando a porta fechada, miava doloridamente (...) com a cauda fofa a roçar o chão (...) esgadanhando
a porta, roçando-se pelas pernas do Ega, recomeçou a miar, num lamento agudo, saudoso como o de uma dor humana, chorando o dono perdido que o acariciava no colo e que não tornara a
aparecer.

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