quarta-feira, 31 de outubro de 2012

A padeira que se tornou heroína


A história de um país não se faz apenas de factos documentados e históricos. As lendas, os mitos e os actos heróicos de gente até então anónima fazem parte dessa mesma história. Pessoas do povo, gente comum, apenas imbuída de coragem e cheias de personalidade, com a qual todos nos identificamos, ajudaram a erguer este país e a pincelar com magia e feitos heróicos a imensa realidade histórica que por detrás de nós imerge. 
Brites de Almeida foi uma dessas personagens. A famosa Padeira de Aljubarrota, que nasceu Brites, ajudou a enaltecer o espírito guerreiro e independente dos portugueses de então e transformou-se num ícone de coragem e de amor destemido às terras que a viram nascer. De concreto pouco se sabe desta heroína de nome Brites. Terá nascido por volta de 1350  na cidade de Faro, filha de pais humildes e trabalhadores. Desde cedo terá mostrado pouco tendência para os trabalhos femininos, dando mais importância ao confronto físico e às lutas com armas. Segundo uns, era feia, alta e corpulenta, com força varonil, uma verdadeira virago de olhos muito pequenos, donde lhe veio a alcunha de Pisqueira. Acrescentam outros, ter revelado desde criança um génio irascível, temerário e desordeiro (Junta de Freguesia de Aljubarrota). A acrescentar a esta aparência masculina a nossa heroína possuía ainda seis dedos em casa mão! Bem cedo começaram as suas quezílias com o sexo oposto. O filho do alcaide de Faro, (...) requestava a rapariga e não encontrando facilidades no seu desígnio, procurou conquistá-la pela força; vendo-se ofendida e desrespeitada, atirou-lhe à cabeça uma bilha de barro, que bastante o feriu. Brites de Almeida com medo de qualquer perseguição saiu de Faro e fugiu para Lisboa (Junta de Freguesia de Aljubarrota)

Aos 26 anos ficou órfã de pai e mãe, e despendeu parte do que lhe deixaram em pagar a quem lhe ensinassem jogos de armas (Coreografia ou Memória Económica, Estadistica e Topográfica do Reino do Algarve, 1841). A notícia da sua valentia e destemida coragem foi-se espalhando e um soldado natural do Alentejo  pediu-a em casamento. Mas Brites era uma mulher diferente de todas as outras e propôs a condição de brigarem com armas prometendo-lhe a mão se fosse vencida. Aceite o desafio sucumbiu o malfadado namorado e ela teve que fugir (Coreografia ou Memória Económica, Estadistica e Topográfica do Reino do Algarve, 1841) mais uma vez para não ser presa. Embarcou rumo a Faro, mas os fortes ventos levaram o barco para mar alto onde foi capturado por um navio mouro, que a fez cativa. Vendida como escrava no mercado de mulheres em Argel, passou a pertencer a um mouro rico, que segundo alguns rumores da época trabalhava para o sultão. Como todos os heróis do cinema, a nossa heroína que ainda não se tinha tornado padeira, conseguiu fugir do harém do Sultão acompanhada de dois escravos também portugueses, após ter matado os seus senhores numa noite e ter conseguido encontrar uma barca e fazer-se ao mar. Acometidos de uma violenta tempestade e falecendo-lhe água e mantimentos veio ao quarto dia aportar meio morta às praias da Ericeira (Coreografia ou Memória Económica, Estadistica e Topográfica do Reino do Algarve, 1841). Tendo recuperado as suas forças e o seu alento e receando que a reconhecessem e lhe pedissem contas da morte que tinha feito, vestiu-se de homem e começou a fazer serviço de almocreve. A sua vida de condutora de bestas de carga foi também bastante acidentada. Neste seu novo mester envolveu-se (...) em várias desordens e tendo sido acusada de outro morticínio, a Justiça tomou conta dela, encarcerando-a em Lisboa (Junta de Freguesia de Aljubarrota). Mas mais uma vez a divina providência esteve do lado da nossa Brites e por não se ter conseguido provar o crime foi posta em liberdade. Cansada de tantas odisseias, rumou à pacata localidade de Aljubarrota, onde se tornou criada de uma padeira. Segundo nos conta Faustino da Fonseca (jornalista, escritor e politico português), no seu romance intitulado Padeira de Aljubarrota, Brites descobriu que um dos portugueses que fugiu com ela de Argel, era o marido da padeira, de quem nada sabia há longos anos. Grata por tão importante informação a padeira tornou-se grande amiga de Brites, ao ponto de lhe ter deixado a padaria quando morreu. E foi assim que a Brites de Faro se tornou numa padeira da vila de Aljubarrota. 

Tinha Brites de Almeida cerca de 40 anos quando se deu a Batalha de Aljubarrota, no dia 14 de Agosto de 1385, que opôs as tropas portuguesas comandadas por D. João I de Portugal  e pelo Condestável Nuno Álvares Pereira e o exército castelhano, liderados por D. João I de Castela. O resultado foi uma estrondosa derrota dos castelhanos tornando-se o Mestre de Avis, o rei de Portugal. Durante a batalha de Aljubarrota, Brites de Almeida, por entre o povo da vila, assistia ansiosa ao desenrolar da batalha de qualquer ponto elevado das cercanias, e muito folgou ao ver a derrota dos espanhóis (Eduardo Marreca Ferreira in Aljubarrota, 1931). Após a derrota os soldados castelhanos debandaram em todas as direcções e foi nesta fuga desordenada que passaram junto à vila de Aljubarrota, onde a nossa padeira se lançou no encalço dos castelhanos com a sua pá na mão, perseguindo uns e matando outros. Consta que sete castelhanos, vendo tudo perdido, e para escaparem à geral carnificina, achando a casa da Pisqueira abandonada (por a padeira andar entretida a caçar castelhanos) se foram esconder dentro do forno. Foi ela ali dar com eles e agarrando na pá os matou. O seu nome ficou para sempre ligado a este acto heróico de luta contra os opressores castelhanos. 

Mito ou realidade fantasiada a verdade é que a Padeira de Aljubarrota era a imagem viva do sentimento que a população da altura sentia. Como escreveu Alexandre Herculano, este sucesso tradicional, quer real, quer fabuloso, tem em qualquer dos casos, um valor histórico, porque é um símbolo, uma expressão da ideia viva e geral aos portugueses daquele tempo, o ódio ao domínio estranho, o rancor com que todas as classes de indivíduos guerreavam aqueles que pretendiam sujeitá-los a esse domínio. Brites encarnou esse sentimento e tornou-se numa lenda portuguesa. Uma mulher do povo, corajosa, destemida que enfrentava tudo e todos sem receio algum.


O sonho da liberdade tornou-se realidade e foram mulheres e homens como a nossa Padeira, que também ajudaram a que ele se tornasse realidade. Rezam as crónicas que a famosa pá foi escondida dentro de uma parede dos Paços do Concelho, durante o novo domínio castelhano. Embora estes a tenham insistentemente procurado nunca a encontraram. A pá esteve assim oculta durante os sessenta anos do domínio filipino e só tornou a aparecer à luz do dia depois da gloriosa revolução que aclamou D. João IV, Rei de Portugal. Ainda hoje, em Aljubarrota, se mostra essa pá ao turista que a deseje ver. (Junta de Freguesia de Aljubarrota)
Mito ou realidade, quem nos dera agora, mais vinte como ela!

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Os alimentos "tradicionais"



A gastronomia portuguesa é fabulosa! Por mais países que visite não encontro nem mais saber nem melhor magia em cozinhar os alimentos, do que em Portugal. Tanto na variedade de pratos, como no sabor com que os alimentos nos presenteiam, não há como a comida portuguesa! Saberes transmitidos de geração em geração mantêm a qualidade da nossa gastronomia. Os alimentos utilizados na confecção dos nossos tradicionais pratos, como a batata, o milho e o tomate, que fazem parte da nossa culinária há várias gerações, além de nos deliciarem com os seus sabores e odores,  têm também uma fantástica história para nos contar.

A Batata - o nome do nosso conhecido tubérculo tem origem no termo taíno batata (língua falada por um povo indígena pré-colombiano que habitava as Bahamas e as Grandes e Pequenas Antilhas do Norte, no Caribe). Alguns historiadores defendem que provém do termo quíchua papa (língua indígena da América do Sul ainda hoje falada por cerca de 10 milhões de pessoas, sendo uma das línguas oficiais da Bolívia, Perú e Equador). Este tubérculo da família das solanáceas tem a sua origem no altiplano dos Andes (planalto na zona central dos Andes, partilhado pelo Perú, Bolívia e Chile) na América do Sul. Cultivada desde tempos imemoriais, foram encontrados recentemente vestígios arqueológicos deste tubérculo dentro de cavernas no Canion Chica, a 2800 metros de altitude, perto do Perú, datados de 8.000 anos aC. Em 1570 foi trazida do Perú para Europa pelos conquistadores espanhóis apenas como mera curiosidade botânica. Só em 1760 é que a batata foi introduzida em Portugal, mas apenas em 1798, no reinado de D.Maria I, surge uma portaria a incentivar o seu cultivo na Arquipélago dos Açores. A primeira grande produtora de batata foi D. Teresa de Sousa Maciel e o seu filho, primeiro Visconde de Vilarinho e São Romão, gastrónomo, foi o grande impulsionador do cultivo e consumo da batata, tendo publicado dois livros intitulados Manual Prático do Cultivo da Batata e a Arte do Cozinheiro e do Copeiro, este em 1841. A batata passou rapidamente a ser a base da alimentação portuguesa.
Com o passar do tempo a batata tornou-se um dos vegetais mais utilizados na alimentação humana a nível mundial, sendo conhecidas actualmente mais de 3000 espécies. Uma recente pesquisa realizada no Perú, baseada no DNA, comprovou que todas as  variedades existentes da batata descendem de uma única variedade da planta originária do sul do Perú. Actualmente são produzidas por ano, a nível mundial, mais de 300 000 000 toneladas de batatas.

O Milho - é um cereal conhecido mundialmente, com excelentes qualidades nutricionais. É um dos alimentos mais nutritivos que existe, contendo na sua composição dezoito dos vinte aminoácidos conhecidos (apenas não contem a lisina e o triptofano). O seu nome provém da palavra latina miliu e é a variante domesticada do teosinto (gramínea silvestre semelhante ao milho mas de menor tamanho, considerada a sua ancestral). A domesticação do milho há 7500 a 12 000 anos atrás na área central da Mesoamérica (região que engloba o sul do México, a Guatemala, El Salvador, Belize e as regiões ocidentais da Nicarágua, Honduras e Costa Rica)Todas as evidências cientificas apontam para que seja de origem mexicana.
Os primeiros registos de cultivo de milho datam de 7 300 anos atrás. O seu nome indígena significava sustento da vida tal era a sua importância na alimentação. O milho foi a base da alimentação de várias civilizações ao longo dos tempos: da civilização Olmeca (civilização-mãe de todas as civilizações mesoamericanas, que se desenvolveu de 1500 a 400 aC), Maia, Asteca e Inca, que reverenciavam este cereal na arte e na religião. Cerca de 2 500 aC o cultivo do milho começou-se a espalhar para as regiões circundantes à Mesoamérica e no século XVI com as grandes navegações e a colonização americana a cultura do milho expandiu-se para outras as partes do mundo. Em Portugal foi introduzido em meados do século XVI, entre os anos 1515 e 1525, inicialmente no baixo Mondego, propaga-se rapidamente para as zonas interiores e para o Sul do país. Para o distinguir dos cereais do tipo do milho já existentes em Portugal - o painço e o milho miúdo de menor dimensão - os portugueses designaram o novo cereal como milho graúdo ou milho de maçaroca. Esta nova aquisição torna-se muito mais rentável do que o painço, pois a maturação do grão bastante maior, faz-se em apenas quatro ou cinco meses. Rapidamente o milho graúdo tornou-se líder e senhor dos cereais em Portugal, e a sua introdução foi uma das maiores contribuições dos Descobrimentos para a arte da panificação portuguesa. A introdução do seu cultivo veio alterar gradualmente a paisagem do Norte do país, onde actualmente são cultivados mais de 18.000 hectares de milho, e até a arquitectura foi influenciada por este cereal, com a construção dos tão conhecidos espigueiros de pedra.

O Tomate - este conhecido fruto vermelho do tomateiro, é muitas vezes denominado erradamente como legume. Deve o seu nome à palavra tomatl da língua nauatle também denominado de asteca, falada por cerca de um milhão e meio de náuatles, povo indígena que habita a alta planície mexicana. A sua origem não é consensual. Enquanto a maioria dos botânicos afirma que a origem do cultivo e do consumo do tomate se deve à civilização Inca, outros afirmam que é proveniente do México, por o nome do tomate ter origem na língua local. Existe no entanto consenso quanto ao facto de este fruto ser cultivado e consumido pelas civilizações Inca, Maia e Asteca antes de ser levado para a Europa. Inicialmente considerado venenoso pelos europeus, pela sua associação às mandrágoras, planta da mesma família do tomate (Família das Solanaceae) usada em feitiçaria, era apenas utilizado como planta ornamental de jardim. A sua entrada na Europa, segundo os registos documentais existentes, fez-se através da cidade espanhola de Sevilha no século XVI. Consumido e cultivado em pequena quantidade no continente europeu, foi apenas no século XIX que o tomate começou a ser cultivado e consumido em grande escala pelos europeus. Inicialmente em Itália, onde os italianos lhe chamaram o pomo de ouro - il pomodoro, depois em França, Espanha e Portugal, quando finalmente os povos do sul da Europa afastaram a dúvida sobre a associação do tomate à feitiçaria. O fruto vermelho passou a ser um dos principais ingredientes da cozinha mediterrânica. 
Em 2012 Portugal produziu 1,2 milhões de toneladas de tomate, sendo o segundo maior produtor mundial deste saboroso fruto, só atrás do estado americano da Califórnia.

Em pouco mais de um século estes três exemplares tornaram-se parte da nossa história. Enraizados na cultura e tradições portuguesas ninguém diria que não existiram no nosso país desde sempre. Em tão pouco tempo os nossos ancestrais foram capazes de fazer nascer tradições e saberes à volta destes alimentos que ficarão para sempre ligados ao que é ser Português!


Nota: Imagem principal obtida em saborehistorias.blogspot.com

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

A Escova de Dentes

A escova de dentes faz parte do nosso dia-a-dia. Encontramos-nos com ela pelo menos uma três vezes por dia e nem nos passa pela cabeça deixar de a usar. Desde a infância somos ensinados a usar a nossa amiga escova, de forma a podermos manter uma adequada higiene oral. De diferentes tamanhos, de diferentes marcas, "vestidas" das mais diversas formas e de variadíssimas cores, a escova que nos esfrega os dentes anda na boca de toda a gente. Mas nem sempre foi assim...
A necessidade de limpar os dentes é tão antiga como o próprio homem. Escavações arqueológicos  encontraram num túmulo egípcio, com cerca de cinco mil anos, aquela que pode ser considerada a mais antiga escova de dentes. O artefacto descoberto  consistia num ramo de uma planta que apresentava a sua extremidade toda desfiada, de forma a que as fibras da madeira funcionavam como cerdas. 
Na região da antiga Babilónia foi descoberto um tipo de vara de mascar datada de 3500 aC, que fazia o papel de escova de dentes. Na literatura grega, romana e egipcía foram encontradas referências a um tipo de palitos de madeira usados para a limpeza dos dentes. Esses palitos eram mastigados até que as fibras da madeira se tornassem moles, de forma a poderem ser usadas para retirar os restos de alimentos dos dentes sem magoarem as gengivas. No século IV aC um médico grego de nome Diocles de Caristo, receitava aos seus pacientes folhas de hortelã para esfregar nos dentes e nas gengivas, de forma a poder combater o mau hálito e as infecções da boca, tão comuns na época. Na China, por volta de 1600 aC eram usados pequenos galhos de plantas aromáticas não só para a limpeza dos dentes mas também para refrescar a boca.
A importância que a saúde dos dentes assumiu na Roma antiga foi tal, que os nobres romanos possuíam escravos apenas com a tarefa de executar diariamente a sua higiene oral, através de uma mistura de areia, ervas e cinzas de ossos. Até o profeta Maomé recomendava aos seus seguidores a utilização de uma haste de madeira aromática que se fosse esfregada várias vezes produziria uma pasta que servia para limpar e clarear os dentes.
Por volta do ano 1490 os chineses inventaram o primeiro prototipo da escova de dentes actual: uma haste de bambú ou de um fino osso onde eram colocados vários pelos de porco na extremidade. Na Europa esta invenção foi também adoptada, mas os pelos de porco por serem muito duros e causarem lesões nas gengivas foram substituídos por pelos de crina de cavalo, bastante mais suaves.
No entanto, a invenção da escova de dentes é atribuída a um comerciante britânico de nome William Addis. Em 1770 foi preso por ter participado num motim e durante a sua permanência na prisão inventou a base daquilo a que nós hoje apelidamos de escova de dentes inspirando-se numa vassoura comum. Utilizando um fino osso de animal de uma das suas refeições, fez doze pequenos furos numa das extremidades, onde colou pequenos tufos de cerdas de javali. Quando saiu da prisão substituiu os pelos de javali, como antes os europeus já tinham feito, por pelos da crina de cavalo e iniciou a comercialização da primeira escova de dentes. A empresa Wisdom, criada por William Addis em 1780 para a produção de escovas de dentes, ainda existe hoje, sendo actualmente uma das maiores empresas de higiene oral do mundo. Como todas as invenções, a escova de dentes era de elevado preço sendo apenas acessível às camadas da população mais abastadas. 
Em 1935, Wallace Hume Carothers, químico e investigador dos Estados Unidos, criou um polímero a que deu o nome de nylon e foi esta descoberta que permitiu a expansão do uso da escova de dentes a outros segmentos da sociedade. A empresa Wisdom passou a produzir em 1939 escovas de dentes com cerdas de nylon, tornando o valor de cada uma bastante mais acessível. Mesmo assim o preço de cada escova era ainda bastante elevado. Em 1940 uma companhia americana lançou a escova de dentes Doctor West Miracle – Tuft, que era vendida a 50 centavos de dólar, o que hoje corresponderia a 8 dólares! Com o aumento da produção as escovas de dentes tornaram-se mais baratas e actualmente são acessíveis a todas as camadas da população. 
De simples varas de madeira transformaram-se em escovas de dentes ergonómicas, eléctricas e com uma panóplia de novas tecnologias, de tal forma que actualmente se torna difícil escolher uma! As escovas de dentes são essenciais à nossa higiene oral, mas não era necessário tornar-nos a vida tão difícil de cada vez que temos que tomar a decisão de comprar uma...
 

domingo, 14 de outubro de 2012

A Carpideira

A Carpideira, profissão exclusivamente feminina, tinha como única função chorar um defunto alheio. A carpideira tem uma tradição milenar. Esta profissional do choro e da dor era contactada para acompanhar os velórios e chorar pelos mortos, mediante um acordo monetário com a família do defunto. No Antigo Testamento, existem várias referências a mulheres profissionais do pranto e do luto, conhecidas pela alcunha de carpideiras, ou aquelas que são fontes de lágrimas: Considerai, e chamai carpideiras que venham; e mandai procurar mulheres hábeis, para que venham. E se apressem, e levantem o seu lamento sobre nós; e desfaçam-se em lágrimas os nossos olhos, e as nossas pálpebras destilem águas (Jeremias 9:17-19). Tinham como principal tarefa provocar uma atmosfera de tristeza, entoando cânticos fúnebres e chorando em voz alta e com grande encenação. A carpideira  aliava à técnica do choro e do cântico fúnebre as artes cénicas  Eram especialistas em representar e encenar situações que visavam provocar nas outras pessoas o choro e a dor. Na antiga Roma, não havia velório sem carpideiras e quantas mais houvessem, mais importante era a pessoa falecida.

Que mulher é essa
Contratada para chorar
Como se o choro fosse um canto,
Para a alma do morto levar.
Tem carpideira que canta,
Tem carpideira que chora...
Todas elas acalantam
A alma que vai embora.
Antiga profissão,
Que ainda hoje vigora,
Contratadas para chorar
No lugar de quem não chora. 

(Fernando Lima)

A ladainha, a encenação e a postura corporal tipicamente usadas pelas mulheres do luto está bem demonstrado neste pequeno filme.


Pouco se ouve falar actualmente das carpideiras apesar de ainda existirem  algumas escondidas nas mais recônditas aldeias portuguesas. Choraram durante séculos os mortos alheios e na história serão lembradas como as actrizes que representaram no palco da vida real!

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A República


Amanhã comemora-se o dia 5 de Outubro, o dia da implantação da República. Há 102 anos deixamos de ser um país monárquico e passamos a ser regidos por republicanos. O Partido Republicano Português, criado em 1876, após um golpe de estado, destituiu a monarquia e implementou o regime republicano em Portugal. O seu objectivo era  devolver ao país o prestígio perdido e colocar Portugal na senda do progresso...102 anos depois ainda temos esse  mesmo objectivo!

Foi formado um Governo Provisório Português : Hoje, 5 de Outubro de 1910, às onze horas da manhã, foi proclamada a República de Portugal na sala nobre dos Paços do Município de Lisboa, depois de terminado o movimento da Revolução Nacional. Constituiu-se, imediatamente o Governo Provisório: Presidência, Dr. Joaquim Teófilo Braga. Interior, Dr. António José de Almeida. Justiça, Dr. Afonso Costa. Fazenda, Basílio Teles. Guerra, António Xavier Correia Barreto. Marinha, Amaro Justiniano de Azevedo Gomes. Estrangeiros, Dr. Bernardino Luís Machado Guimarães. Obras Públicas, Dr. António Luís Gomes (Diário do Governo, 6 de Outubro de 1910). Com o novo regime politico, os símbolos nacionais também foram alterados. Na monarquia o rei tem um corpo físico e portanto é uma pessoa reconhecível e reconhecida pelos cidadãos. Mas a república é uma ideia abstracta (Nuno Severiano Teixeira)Foi criada uma Comissão a 15 de Outubro para desenvolver os novos símbolos que passariam a representar a nação: a bandeira, o hino e o busto da República.

Ao longo dos anos a história foi-se escrevendo e reescrevendo. Pedaços dessa história chegaram até nós graças ao empenho dos Arquivos e de muita gente anónima, que preservaram documentos e imagens que são de todos nós. Concordando ou discordando a história fez-se e hoje somos resultado dessas acções que a história nos conta. Aqui ficam alguns exemplos de documentos alusivos à Implantação da República no nosso país, que o Arquivo Distrital do Porto, digitalizou e disponibilizou para consulta. 


Telegramas enviados pelo Sr. Ministro do Interior – António José de Almeida,  respeitantes à proclamação da República. Indicação para nomeação de cargo (Governador Civil do Porto). Mensagem hostil referente a Pimentel Pinto, e à sua aceitação da implantação da República (Arquivo Distrital do Porto).



Pedido para que o Dr. Paulo Falcão assuma responsabilidades de Governador Civil do Porto (Arquivo Distrital do Porto).


Comunicação emitida pelo Sr. Ministro do Interior – António José de Almeida,  respeitante às alterações que as Câmaras Municipais deverão sofrer, especialmente, a sua substituição por Comissões Municipais (Arquivo Distrital do Porto).

Comunicação emitida pelo Sr. Ministro das Finanças - José Relvas, solicitando que os Governadores Civis reunissem o maior número de cidadãos com elevada influência na comunidade, com o intuito de lhes transmitir o estável estado em que as finanças públicas se encontravam. Solicita ainda que transmita às delegações da Caixa Geral de Depósitos orientações para tranquilizar os seus depositantes (Arquivo Distrital do Porto).

Não deixa de ser curioso  que o nome do Ministro das Finanças da altura, fosse José Relvas! A história às vezes prega-nos partidas...