domingo, 15 de julho de 2012

A praia da Granja

De todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.
Há muito que deixei aquela praia
De grandes areais e grandes vagas
Mas sou eu ainda quem na brisa respira
E é por mim que espera cintilando a maré vasa. (Sophia de Mello Breyner)
Não é qualquer praia que tem um poema destes que a homenageia e ao mesmo tempo torna imortal. Mas a praia da Granja (do latim granum que significa grão), do concelho de Vila Nova de Gaia, também não é uma praia qualquer. Corria o ano de 1758, e os frades Crúzios, sediados no Mosteiro de Grijó, construíram uma Quinta e a necessidade de cultivar essas terras para seu sustento esteve na origem do topónimo Granja - propriedade rústica de amanho, conjunto de dependências de uma propriedade agrícola (Alberto Luís Moreira, in A Queirosiana da Biblioteca de Gaia: A Granja de Eça de Queirós)Esta propriedade junto ao mar, era também utilizada  pelos Cónegos Regrantes do Patriarca St. Agostinho do Real Mosteiro de S. Salvador de Grijó, como estância de convalescença e de repouso, nas alturas de mais calor, e como eles próprios afirmavam podiam assim ir a ares. Cem anos mais tarde, já no século XIX, José Frutuoso Aires de Gouveia Osório, médico e politico português nascido na Invicta cidade, da qual foi Presidente da Câmara (1886-1887), adquire a Quinta aos frades, passando a ser um couto privado deste ilustre portuense, sendo baptizada com o nome de Quinta dos Aires (mais conhecida actualmente por Quinta do Bispo)
Pela mão de Frutuoso Aires, no início da década de setenta, nasce a Granja. Uma correnteza de casas para a família do abastado comerciante do Porto, e alguns lotes vendidos criteriosamente, constituíram o modo de dar vida a esta apreciada estância balnear (Luís Paula Saldanha Martins in Banhistas de Mar do século XIX, 1989). As sete casas edificadas inicialmente, pertenciam aos filhos de Frutuoso, e a sua construção deu origem à principal rua a chamada Avenida da Granja. A Granja tornou-se rapidamente na mais aristocrática das praias do litoral português (Ramalho Urtigão). A 7 de Junho de 1864, Vila Nova de Gaia e Lisboa ficam ligadas por via férrea, com a chegada do comboio ao lugar das Devesas, e com a posterior construção da Estação da Granja, dá-se o desenvolvimento desta estância balnear. A praia da Granja, a mais graciosa e asseada das estações balneares portuguesas, a praia por excelência elegante, nasceu após a passagem da linha férrea pelo sítio. Diz-nos a química que o diamante é um carvão; a Granja, uma jóia tem pois essa mesma origem. Saiu do fumo negro da locomotiva graças ao empenho do alquimista Frutuoso Aires  (José Augusto Vieira, in Minho Pitoresco, 1987).
O ambiente que se vivia nesta praia do Norte de Portugal era de puro elitismo, tendo-se criado um mundo social e intelectual muito próprio, com uma forte identidade territorial. Em 1890, o Grilo de Gaya, um jornal local descreve muito bem ambiente: Têm chegado algumas famílias à praia da Granja, porém sempre as de costume: só fidalguias (...) Esta praia, talvez a mais bonita e saudável da nossa beira mar, torna-se tristonha sem alegria, porque muitos banhistas  preferem andar quasi sós, não querendo gente de classe baixa que os estorvem. A Granja tornou-se num local privilegiado e elegante: local de cavalgadas, de quermesses, dos torneios de ténis e de cricket , dos bailes e concertos, das tardes de chá e bridge...um local de príncipes e  princesas, um local de conto de fadas. 
Foi aqui que pela primeira vez em Portugal surgiu uma rua pedonal, ladeada de jardins e árvores e com passeios elegantemente desenhados. Um sítio diferente, um local paradisíaco que Ramalho Urtigão descreveu como estação balnear da alta sociedade portuguesa de fins do século XIX e princípios do século XX, que se encheu de luxuosas vivendas, que definem por si toda uma arte de saber viver bem e requintadamente, típica de certa belle époque. A Granja é uma povoação diamante. Por esta elegante praia passaram e veranearam ilustres figuras: o rei D. Luís, a rainha Maria Pia e o infante D. Afonso, o rei D.Carlos e a rainha D.Amélia, o ilustre Grupo dos Cinco, do qual faziam parte Ramalho Ortigão, Oliveira Martins, Antero de Quental, Guerra Junqueiro e Eça de Queiróz, e famílias nobres do Porto, Lisboa e de todo o País. Os jornais de Lisboa e Porto referiam-se a esta praia  como sendo uma concha mimosa como a pétala de uma camélia; ninho feito de púrpura e perfumes. Já no século XX figuras publicas aqui passaram as suas férias de verão nas suas casas de família, entre as quais de destacam, Francisco Sá Carneiro e Sophia de Mello Breyner. Os descendentes de Eça de Queiróz também aqui viveram, na casa onde morreu a sua mulher  Emilia de Castro Pamplona a 5 de Junho de 1934.

Mas não foi só pela sua praia que este local ficou conhecido. Foi aqui que foi celebrado a 7 de Setembro de 1876, o Pacto da Granja, onde surgiu um novo partido politico, o Partido Progressista, como resultado da junção do Partido Histórico e do Partido Reformista, liderado por Anselmo José Brancaamp como oposição ao Partido de Fontes Pereira de Melo, o poderoso Partido Regenerador. Inaugurou-se assim na Granja a segunda fase do rotativismo em Portugal, período de alternância politica entre os partidos, (...) que proporcionou algum equilíbrio entre os sectores conservadores e os mais liberais e progressistas do País  (Infopédia, Porto Editora)

A Granja ainda hoje é um local de veraneio, com as suas casas senhoriais e coloridos chalés de verão, mas o tempo foi apagando os resquícios aristocráticos e elitistas do passado. A beleza da sua praia mantém-se, as ondas do mar espreguiçam calmamente a sua espuma branca pelo areal fino e as memórias daquela época ainda se podem ouvir nas histórias dos mais velhos. 
Também eu passei muitas tardes de Verão na famosa piscina da Granja, bem juntinho ao mar. Para aceder às suas instalações tínhamos que desembolsar a módica quantia de 200 escudos, o que nos anos 80 era uma exorbitância, comparada com os 50 escudos que custava a entrada na vizinha piscina de Espinho...talvez fosse uma ténue tentativa para manter o espírito elitista do passado! Quem aqui passou as suas férias de Verão não esquece esta praia, este mar e a sua brisa. Sophia de Mello Breyner fez da Granja a estrela dos seus poemas e das suas histórias e nunca a esqueceu: 
Quando eu morrer
Voltarei para buscar
Os instantes que não vivi 
Junto do mar.
(...)
Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim.
A tua beleza aumenta quando estamos sós.
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim. 


Nota: As fotografias utilizadas foram retiradas do Arquivo Digital em www.prof2000.pt e Da Praia da Granja em www.dapraiadagranja.blogspot.pt 

8 comentários:

  1. Mais uma Lição fantástica !!! São estas pequenas pérolas que tornam a nossa história tão rica.

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  2. Meu Deus, o que eu aprendo contigo!
    É verdadeiramente um prazer vir aqui!

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  3. Obrigada pelas vossas simpáticas palavras!

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  4. Apenas um reparo, que penso ter sido distração: escreve-se ORTIGÂO

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    1. Muito obrigada pela correcção! Foi de facto um lapso, mas de qualquer forma não deixava de ser um erro! Já está corrigido, e mais uma vez agradeço o alerta.

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