domingo, 4 de maio de 2014

Um dia não chega!

A Mãe podia ser só minha. Mas tenho de a emprestar a tanta gente…(Luísa Ducla Soares, Poemas da Mentira e da Verdade). Esta frase tem tanto de deliciosa como de verdadeira.Hoje festeja-se o dia da mãe. Nunca dei muita importância a estes dias de festejo programado, em que parece que temos todos obrigação de homenagear alguém ou alguma coisa. Um dia não chega para homenagear, lembrar ou acarinhar alguém e muito menos uma mãe. Mas é interessante descobrir o que está pode detrás destes dias festivos, que são mundialmente lembrados. 
Desde sempre o homem homenageou a divindade feminina e o seu culto remonta ao inicio da nossa história. O culto à Deusa Mãe que já era feito na Pré-história, através da adoração de pequenas estatuetas que representavam a mulher, prolonga-se no Reino da Frígia (era o nome da região centro-oeste na antiga Àsia Menor -Anatólia, na actual Turquia, famoso pelos seus Reis lendários que povoaram a mitologia grega) e alicerça-se posteriormente nas civilizações romanas, egípcias e da Babilónia.

O mais antigo registo de comemoração do dia da mãe, chega-nos da antiga Grécia. As comemorações da chegada da Primavera eram feitas em honra da Deusa Rhea, designada como a Mãe de todos os Deuses do Olimpo. Na mitologia romana, é designada como Cibele, uma das manifestações da Deusa Mãe - Magna Mater, e as cerimónias em sua homenagem começaram cerca de 250 anos antes de Cristo, e duravam 3 dias, de 15 a 18 de Março. Estas celebrações foram posteriormente adoptadas pela Igreja Católica, passando a ser venerada Maria, a mãe de Jesus.
No século XVII, em Inglaterra, no quarto domingo da Quaresma (40 dias antes da Páscoa) era costume os ingleses visitarem a sua Igreja local a chamada Igreja Mãe, ou a Catedral mais próxima, para iniciarem as festividades da Quaresma. Este dia foi também posteriormente dedicado às Mães, sendo denominado Mothering Day, e todos aqueles que podiam visitavam as suas mães, oferecendo o tradicional Mothering cake. É curiosa a mistura que ao longo dos tempos se foi fazendo entre a mãe da Igreja e as próprias mães.

Mais recentemente em 1872, uma norte-americana de nome Julia Ward Howe, famosa abolicionista, activista social e poetisa, autora do Hino da Batalha da República da Guerra da Secessão Americana(cantado posteriormente por diferentes cantores e bandas, incluindo Judie Garland, os Stryper,  e os Smiths), sugeriu a criação de um dia das Mães, dedicado à Paz. Em Boston, durante vários anos celebrou o dia da Mãe, no segundo domingo de Junho. 



Mas foi outra norte americana, de nome Ana Jarvis, natural da Virgínia Ocidental, que instituiu o Dia da Mãe. Em 1905, ano em que morre a sua mãe, decide organizar uma festa, cujo simbolo era um cravo branco, para perpetuar a sua memória. Posteriormente quis que a festa fosse estendida a todas as mães, vivas ou mortas, com um dia em que todas as crianças se lembrassem e homenageassem as suas mães. A primeira celebração oficial ocorreu no dia 26 de Abril de 1910, quando o governador de Virgínia, William E. Glasscock, incorporou o Dia da Mãe no calendário de datas comemorativas do Estado. Outros estados norte-americanos rapidamente aderiram à comemoração, e em 1914, o então presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson, unificou a celebração em todos os Estados, decretando, por sugestão de Anna Jarvis, que o Dia da Mãe deveria ser comemorado no segundo domingo de Maio.  Actualmente mais de 40 países festejam o dia da Mãe nesta data. Portugal recentemente adoptou este dia, deixando cair o 8 de Dezembro, tradicionalmente considerado entre nós como o dia da Mãe. 

Mas um dia é curto...demasiado curto para permanecer na nossa memória. Nada melhor do que palavras para serem eternas:

Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
(...)
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
(...)
Fosse eu Rei do Mundo,
criava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.
(Carlos Drummond de Andrade)



quinta-feira, 1 de maio de 2014

A liberdade de leitura


Ler é uma das mais belas ocupações humanas...abrir um livro, fixar o olhar na primeira folha e iniciar a viagem pelo mundo das palavras é magnífico! Adoro perder-me num livro. Desligar-me de tudo o que me rodeia, e sentir cada palavra, cada frase, cada descrição que me é oferecida. Sentir as emoções, viver os sentimentos, ouvir cada barulho, distinguir cada aroma e deixar-me ir através dos diferentes mundos que o livro me proporciona. Não existem impossíveis nos livros. Olhar para uma estante repleta de livros é como entrar numa máquina do tempo. Com o movimento da minha mão posso dar comigo na Grécia Antiga pegando na Apologia de Sócrates escrito por Platão, rapidamente passar para uma viagem ao futuro folheando Ao encontro com Rama de Arthur C. Clarke, como parar no tempo presente ao ler o Ensaio sobre a Cegueira de Saramago. Cada livro é um presente repleto de conhecimento. Todos os livros deixam a sua marca. Como escreveu Imre Kertesz (escritor húngaro de origem judaica, Nobel da Literatura em 2002) a quantidade de livros que dormem em mim, bons e maus, de qualquer tipo. Frases, palavras, parágrafos, versos, que, à semelhança de inquilinos inquietos, voltam bruscamente à vida, errando solitariamente ou entoando na minha cabeça conversas brutais que eu sou incapaz de silenciar. 
Mas o simples acto de escolher um livro para ler, que agora nos parece banal, foi durante muitos séculos, um acto perigoso. Até à Idade Média, existiam muito poucos livros e aqueles que existiam, escritos em latim, estavam na posse de uma elite restrita, da qual faziam parte o clero e alguns elementos da nobreza, dado que a maior parte da população mundial era analfabeta. Em 1517, com a reforma protestante iniciada por Martinho Lutero, e com a tradução de alguns livros, entre eles a Bíblia, para as línguas que eram faladas em diferentes países europeus, os livros começaram a ser divulgados e com eles deu-se o inicio da alfabetização das populações. O conhecimento espalhou-se rapidamente através das palavras escritas. Ideias novas e opiniões divergentes começaram a ser escritas e lidas. Uma população com conhecimento é difícil de dominar e era necessário por isso controlar a informação. Em 1559, o Papa Paulo IV, promulgou o Index Librorum Prohibitorum, o chamado Índice dos Livros Proibidos, que consistia numa lista de publicações literárias consideradas pela Igreja Católica como perigosas e como tal proibidas. O redactor principal do Índice dos Livros Proibidos que foi usado por toda a Igreja dependente de Roma durante mais de 400 anos, foi um frade português de nome Francisco Foreiro (1522-1581). Todas as obras literárias eram assim sujeitas à censura da Igreja. Após avaliação poderiam ou não obter a informação de nihil obstat que significa nada impede, e após o qual obtinham o carimbo de o imprimatur ou seja, deixe ser impresso. Quem ousasse possuir as obras proibidas corria o risco de ser julgado pelos Tribunais da Inquisição como herege. Quem escrevesse livros que posteriormente fossem considerados perigosos poderia correr o risco de ser ser condenado à morte, tal como aconteceu a Giordano Bruno em 1600.
Entre 1559 e 1966, altura em que foi abolido pelo Papa Paulo VI, mais de 4000 títulos fizeram parte desta triste lista. Figuraram nela nomes como Maquiavel, Galileu, Kepler, Descartes, Voltaire, Victor Hugo e Jean-Paul Sartre. 
Actualmente ainda existem livros considerados perigosos, para as diferentes religiões e para os diferentes estados. Livros como Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, foi banido de algumas bibliotecas dos EUA por dar a impressão de que o sexo promíscuo é legal; os livros da saga Harry Potter foram banidos dos Emirados Arabes Unidos e sofreu o protesto de lideres religiosos do Brasil e dos EUA, por incentivarem a bruxaria; Alice no País das Maravilhas, foi banido na China, por dar aos animais as mesmas qualidades dos humanos, colocando-os assim ao mesmo nível...
Tristes aqueles que se sentem ameaçados por palavras escritas. Como disse Unamuno ler muito é um dos caminhos para a originalidade; uma pessoa é tão mais original e peculiar quanto mais conhecer o que disseram os outros. E é tão bom ser diferente e original!!

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Revolução: repetição ou mudança?


A palavra revolução, anda actualmente na boca de toda a gente. E quando pensamos em revolução, associamos logo a movimentos políticos, a lutas sociais, a confrontos nas ruas e a momentos de grande tensão.

No entanto a palavra revolução é uma palavra antiga para uma ideia moderna (Dicionário da Filosofia Moral e Politica). Originalmente o termo revolução era usado na astronomia, para designar o movimento cíclico das estrelas, cujos trajectos se repetiam, impelidos pelas irresistíveis e potentes forças gravitacionais. Foi este o termo usado por Copérnico, para designar o movimento cíclico dos planetas em volta do Sol, como se pode confirmar pelo titulo da sua maior obra escrita: "Da Revolução das Orbes Celestes" que foi editado em 1543, em 6 volumes. 
Como metáfora politica era utilizada desde a Antiguidade Clássica, para definir a recorrência dos regimes, forçados a regressar sempre às mesmas formas de governar (Dicionário da Filosofia Moral e Politica).  

Esta definição etimológica da palavra revolução, mantém-se até ao século XVII, quando se dá a primeira revolução constitucional em Inglaterra, a chamada Gloriosa Revolução (1688-1689), a partir da qual a Coroa Britânica ficou dependente do Parlamento, evitando deste modo o absolutismo monárquico. 

Com as revoluções americana (1776) e francesa (1789-1799), no século XVIII, o significado da palavra revolução altera-se definitivamente, passando a ter o significado oposto do inicial. Revolução passa então a representar a ruptura com o modelo anterior, a mudança profunda, a alteração. A ideia da revolução como ruptura libertadora é reiterada no século XIX, que recupera da antiga definição o sentido de irresistibilidade e movimento (Dicionário da Filosofia Moral e Politica). Segundo Karl Marx as revoluções são as locomotivas da história, dando assim ênfase ao sentido de mudança da palavra.


Por isso é preciso ter cuidado quando utilizamos a palavra revolução, pois em diferentes contextos podemos estar a dizer que andamos às voltas e acabamos sempre no mesmo sítio, ou que mesmo a andar às voltas vamos acabar num sitio completamente diferente. Eu por mim sou sempre defensora da mudança, logo da revolução associada ao mês de Abril!

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Um pequeno obstáculo


Há muito tempo que não escrevia...há momentos que nos fazem parar mesmo que a vontade não seja essa. Não foi por falta de tempo...esse tinha e tenho em excesso, mas o meu pensamento estava bloqueado, primeiro com a perspectiva de fazer uma cirurgia e depois pela imobilidade e incapacidade provocadas pela situação.   Uma paragem forçada, uma alteração repentina na azáfama do dia a dia, fez com que as ideias desaparecessem. Uma incapacidade temporária provocada por uma lesão na mão esquerda fez-me travar a fundo. Uma hora num bloco operatório e de repente tenho pela frente uns meses de recuperação. Uma simples alteração num dos tendões e num pequeno nervo da mão, transformou a minha vida e a vida de quem me rodeia. Desencadeou uma avalanche de sensações e sentimentos, ao mesmo tempo que vinha acompanhada de vários pequenos obstáculos que tinham que ser superados. Mas, como disse Albert Einstein, as dificuldades e obstáculos são fontes valiosas de saúde e força para qualquer sociedade, e acrescento eu, para qualquer indivíduo. E por isso cá estou novamente a tentar retomar o que tanto gosto de fazer. Procurar nos baús da história e em poeirentos livros repletos de magia, as tradições, os costumes e as descobertas que fizeram de nós o que actualmente somos. Tendo sido sujeita a uma intervenção cirúrgica dei por mim a pensar que num passado não muito longínquo, tudo era muito diferente. 

Na Idade Média a cirurgia, era considerada uma actividade pouco nobre, pelo que era praticada por indivíduos sem nenhuma formação académica, os chamados cirurgiões-barbeiros, que executavam apenas a limpeza de pequenas feridas e lesões externas, extracção de dentes e outras pequenas intervenções. A palavra Cirurgia provém do latim chirurgia, que teve por sua vez origem na palavra grega kheirourgia (kheír, que significa mão e érgon que designa trabalho). Cirurgia, etimologicamente, significa trabalho manual, arte, ofício, no qual se empregam as mãos para a sua execução. No entanto, desde a pré-história que se praticam actos de cirurgia, através de procedimentos que utilizavam a trepanação (abertura de um osso, mais comum nos ossos do craneo). No inicio do século XXI, arqueólogos que estudavam as ossadas de dois homens de Mehrgrh (um povo da Civilização do Vale do Indo) no Paquistão, concluíram que estes possuíam algum  conhecimento de medicina e odontologia, ao descobrirem indícios que um dente que tinha sido perfurado há 9.000 anos. No antigo Egipto foi descoberta uma mandíbula  datada de 2.750 aC, com duas perfurações logo abaixo da raiz do primeiro molar, indicando a realização de uma drenagem de um abcesso dentário. Perto do local onde estão edificadas as piramides, também no Egipto, escavações arqueológicas permitiram identificar um crânio humano que tinha sido sujeito a intervenções cirúrgicas.
Sushruta Samhita, um médico indiano que viveu em 600 aC é uma importante figura na história da cirurgia. Ele viveu, ensinou e praticou sua arte cirúrgica nas margens do rio Ganges, no norte da India. Foram numerosas as suas contribuições para ciência e arte da cirurgia, tendo identificado  a origem e tratamento de diversas doenças, sendo por muitos considerado o pai da Cirurgia. Muito do que conhecemos a respeito da cirurgia está contido numa série de volumes de sua autoria, conhecidos como as Susrutha Samhita. Considerado o mais antigo texto cirúrgico, nele estão descritos com pormenor, a exploração, o diagnóstico, tratamento e prognósticos de numerosas doenças.

No entanto, a cirurgia teve seus primeiros desenvolvimentos científicos no século XVI, com o francês Ambroise Paré  considerado o pai da cirurgia moderna, que além de esclarecer inúmeras questões de anatomia, fisiologia e terapêutica, substituiu a cauterização com ferro em brasa, pela utilização de fio de sutura e pinças para corrigir roturas de veias e artérias, tal como é hoje utilizado. Escreveu vários tratados de cirurgia, tendo feito a compilação de toda a sua obra em 1575, com 65 anos de idade, sob o título Les Oeuvres de M. Ambroise Paré, avec les figures et les portraits de l'Anatomie que des instruments de chirurgie et de plusieurs monstres. 
Foi cirurgião de Henrique II, Francisco II, Carlos IX e Henrique III. Mais tarde, a descoberta da anestesia e a criação da antissepsia, no final do século XIX, impulsionou as técnicas cirúrgicas, cuja eficácia aumentou com a transfusão de sangue e a neurocirurgia, desenvolvidas entre as duas grandes guerras. Nos anos 50, a descoberta dos antibióticos garantiu maior eficácia aos procedimentos cirúrgicos. 
Actualmente com toda a tecnologia envolvida, realizam-se todo o tipo de cirurgias, incluindo transplantes de orgãos vitais. A evolução foi fabulosa e hoje uma simples cirurgia como aquela a que fui sujeita, é considerada de rotina, e possibilita a recuperação total de áreas danificadas. Apenas como curiosidade, se eu tivesse nascido nos finais do século XVIII, a minha lesão seria analisada da seguinte forma: quando se vulnerar, ou cortar totalmente um tendão, ou tendões, que servirem ao movimento de uma parte, se perderá o movimento dela, se não unir por primeira intenção, e o sujeito for velho. Quando a ferida do tendão não unir logo, e passar a chaga mediante a cicatriz, e contracção das fibras e prisão delas, é muito certo perder-se o movimento total ou parcial da parte. (...) há violentas dores, segue-se febre, vigilias, delirios e pode sobrevir aquele terribilissimo e mortal acidente convulsivo. Tratamento - administrar externamente um cozimento de malvas, violas, mangerona, flores de sabugo, de marcela e folhas de rosa e semelhantes; havendo muitas dores feito o cozimento em leite; não as havendo feito em água.(...) Aplicar por si só agua ardente, sempre quente, com  algum óleo de termentina (in Cirurgia classica, lusitana, anatomica, farmaceutica, medica, a mais moderna: segunda parte em que se da huma brevissima noticia anatomica do corpo humano, de Francisco  Luiz Ameno, 1780). Talvez a minha recuperação demorasse um pouco mais... 
 

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Imagens do passado

O Porto do passado que se mantém vivo através desta magnificas fotografias. Momentos guardados na memória das imagens!


 O Cais dos Guindais antes da abertura da estrada marginal: 

 






























A Ribeira do Porto



A  Sé do Porto na década de 30




                                            A Sé do Porto em 1963 



   O Campo de Aviação de Pedras Rubras

 

                                          O Aeroporto de Pedras Rubras em 1945




Nota: As fotografias foram retiradas da página do Facebook do "Porto Desaparecido" em  www.facebook.com/PortoDesaparecido?fref=ts


sábado, 1 de dezembro de 2012

O meu presente de Natal

O mês de Dezembro regressou! A sua chegada fria e invernosa, traz-me doces recordações. A imensidão de sensações, de cheiros e sabores que invadem o meu pensamento com a sua entrada no calendário é intensa e reconfortante. A memória que tenho dos preparativos em família para a noite de Natal é mágica. E essa magia ainda funciona... 


Olho para um canto e consigo voltar a ver a minha avó paterna, envolta em doces odores que emanavam do fogão onde panelas, tachos e formas pareciam ganhar vida e, em conjunto com as suas magníficas mãos de cozinheira, criavam uma afinada orquestra de aromas e paladares. Consigo vislumbrar o divinal leite creme bem queimadinho, o pudim de ovos recoberto de verdadeiro caramelo fumegante e o pequeno tesouro que ficava bem guardado num tacho de ferro, onde se escondia um desfiado bacalhau, que entrava em cena logo após o prato principal. Olhando um pouquinho mais para o lado, encanto-me ao relembrar a minha mãe, sempre alegre e bem disposta, corada de alegria, a fazer magia com o açúcar,  o leite, a canela, os ovos, o pão e vinho do Porto. De repente, a cozinha enchia-se de cheiros doces e apetitosos, que acompanhados dos cânticos de Natal entoados pela voz materna, criavam uma atmosfera única, plena de conforto, e encantamento, que nunca vou esquecer. Lá estavam os doces sonhos, que se espalhavam pela terrina com todas as formas e feitios tal como os verdadeiros sonhos de vida, as deliciosas rabanadas de leite que dispostas em travessas eram carinhosamente regadas com um molho de vinho do Porto, as rabanadas douradas que de tanto açúcar terem, cobriam o ar de candura, a famosa aletria recoberta com pequenos flocos de canela, que em conjunto criavam um verdadeiro arco-íris de doçura. Desviando os meus olhos para outro canto da divisão, observo o meu pai em amena cavaqueira com o pescado da Noruega. O bacalhau, rei e senhor das cozinhas neste mês natalício, vestia-se de gala e aparecia ricamente ornamentado na travessa rodeado de todos os seus súbditos: os ovos, as couves, as batatas, as cenouras e o fiel azeite pintalgado de alho. Aquilo que muitos chamam bacalhau com todos, parecia-me aos meus olhos de criança, um prato muito especial que só o meu pai sabia fazer, o que o transformava num super herói também da cozinha.

A azafama familiar era grande. Crianças e adultos todos contribuíam à sua maneira, para que o Natal fosse sempre tão especial. A árvore de Natal rodeada de embrulhos coloridos e vistosos fazia parte da festa, mas o verdadeiro presente foram estas memórias e estas recordações. Este presente que me foi dado ao longo dos anos em que fui criança, adolescente e mesmo durante parte da minha vida de adulta, não tem preço. Dos outros presentes poucas recordações possuo, mas estas doces e carinhosas lembranças, estarão sempre na minha memória e na dos meus irmãos. Mas como a tradição ainda é o que era, tentamos manter viva esta recordação nas gerações mais recentes. Agora olho em volta e já não vejo a minha avó paterna, nem a minha mãe, mas a magia continua bem presente em toda a tradição que tentamos manter viva. Os sonhos, o pudim, a aletria, as rabanadas, o bacalhau e até o pequeno tesouro do tacho de ferro estão sempre presentes. Até os cânticos de Natal permanecem vivos, apenas cantados por vozes diferentes. A magia ainda existe...e na noite de Natal se olharmos bem, fizermos silêncio e escutarmos com muita atenção ainda conseguimos sentir e ouvir aqueles que iniciaram esta magnífica tradição e nos deram o melhor presente que poderíamos ter recebido! 

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

A tradição da "crise"


Portugal existe como nação há mais de 800 anos! Oito séculos de história repleta de grandes feitos e grandes conquistas épicas, plena de mitos, lendas e contos fantásticos, personagens reais que parecem saídas de filmes de Hollywood, Reis e Rainhas, guerras e conflitos, descobrimentos e invasões. Uma nação rica em história, tradições, costumes, potencial humano... e crises!Portugal chega ao século XXI como um país pobre, dependente de outros para sobreviver, necessitado de apoio económico, subserviente e humildemente resignado. Este pedaço de terra à beira mar plantado, nunca desabrochou. Manteve-se plantado, parado, estagnado. Oito séculos de história não nos ensinaram nada, não gravaram na memória de tantas e tantas gerações aquilo que não deveria ser repetido. Somos um país de crises. As crises que decorreram das guerras com os mouros, das lutas com Castela, da epopeia marítima e da construção de um Império ultramarino, que apesar de terem dado nome a Portugal, foram mal geridas e poucos dividendos trouxeram a um País que não soube aproveitar as oportunidades surgidas. A lenta industrialização ocorrida em Portugal no século XIX, que nos deixou irremediavelmente atrasados em relação às outras nações europeias. Um atraso que nunca mais conseguimos recuperar e que nos provocou graves dissabores económicos e sociais ao longo dos anos. As crises e vexames sucessivos por que passamos nos últimos anos da Monarquia, mostrando já os primeiros sinais de subserviência a outros estados europeus, que anos mais tarde se tornariam tão comuns. A ausência de um espírito aguerrido de defesa nacional, de orgulho patriótico e de profundo sentimento de pertença fez com que o nosso País ficasse sempre para trás. A esperança depositada no novo regime republicano, cedo se desmoronou. Seguiram-se 40 anos de uma ditadura, que nos fechou ao mundo, às inovações e ao desenvolvimento e nos deixou ainda mais isolados no último lugar do pelotão europeu. Anos de gastos excessivos pós Revolução do 25 de Abril, conduziram-nos a um descalabro económico e a um estender de mão aos países mais ricos da europa, como única forma possível, para podermos fugir mais uma vez à bancarrota e ao naufrágio total de um país repleto de marinheiros de água doce
Ao longo destes oito séculos de existência passamos por várias situações de crise financeira. Segundo um estudo de Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff (investigadores da Universidade de Maryland nos Estados Unidos) foram identificados vários episódios de bancarrota na história de Portugal, a maioria no século XIX. Oficialmente, poderemos contabilizar oito: em 1560 (considerada oficialmente a primeira situação de bancarrota em Portugal, durante a regência de Catarina da Áustria, viúva de D. João III), 1605 (no reinado de Filipe III de Castela),  1834 (no reinado de D.Miguel), entre 1837 e 1852 (no reinado de D. Maria II) e em 1892 (no reinado de D.Carlos I). Nesta última bancarrota do século XIX, o Jornal inglês The Economist escrevia no dia 6 de Fevereiro de 1892: Os mercados monetários da Europa estão a ficar cansados, e não sem razão, da constante solicitação por Portugal de novos empréstimos. No próprio interesse de Portugal era preferível que as suas facilidades de endividamento fossem, agora, restringidas.Tem sido evidente de há bastante tempo que o país estava a viver acima dos seus meios. Mais tarde ou mais cedo era inevitável que acabasse em bancarrota – e foi à bancarrota que Portugal agora chegou. Notícia assustadoramente actual apesar de ter sido escrita há mais de 100 anos! Como disse Karl Marx a história repete-se, primeiro como tragédia e depois como farsa. E Portugal está novamente a viver nesta farsa. No século XX a situação repetiu-se e como a tradição ainda é o que era cá estamos nós no século XXI, em plena crise financeira. A palavra crise já é uma tradição portuguesa e o facto de serem quase sempre da responsabilidade de uma pequena franja da sociedade portuguesa, as chamadas elites, também o é. Os anos passaram, as pessoas mudaram, mas os governantes que foram desfilando pelo palco do poder, pautaram-se, com raras excepções, pela falta de competência, cometeram sucessivos erros, tomaram decisões catastróficas, pouco servindo os interesses da nação, e transformaram Portugal num país endividado, empobrecido, desanimado e sem grandes perspectivas de futuro. 
Nunca o bem estar económico de tantos portugueses presentes e futuros foi tão ameaçado pelas decisões de tão poucos, disse Winston Churchill. Não conhecia ele o futuro que nos esperava. Antes usamos o dinheiro que resultou do filão de ouro que provinha das terras do Brasil, para construir catedrais,  palácios e outros monumentos de pedra. Há uns anos atrás utilizamos o dinheiro da Comunidade Europeia para construir estradas, pontes e mais alguns monumentos de pedra. Era lícito construir tudo isto, se as bases essenciais para o alicerçar de uma sociedade já existissem. Os erros mantêm-se, pois não há memória do passado. As tradições devem ser preservadas, mas esta não. O nosso fado é quebrar esta tradição e dar oportunidade à competência, ao saber, ao bom senso e à ética de bem governar.
Apostar no potencial humano em detrimento do poder económico, mudar mentalidades, apostar na educação e na cultura de um povo que tem de começar a acreditar em si próprio. Promover um futuro sem nunca esquecer as lições do passado. Não há nenhum caminho tranquilizador à nossa espera. Se o queremos, teremos de construí-lo com as nossas mãos (José Saramago). Espero que num futuro próximo possamos ser uma  nação projectada para o futuro, mas com memória de um passado de que nos podemos e devemos orgulhar!

terça-feira, 13 de novembro de 2012

O simbolismo da gravata


Quando falamos em gravata, o nosso cérebro leva-nos rapidamente a pensar em etiqueta, formalidade, aperto, nó...De facto a gravata é visto como um acessório de vestuário, que a maioria dos homens e também algumas mulheres, usam diariamente. Uns usam-na por obrigação, por fazer parte do seu traje de trabalho, outros gostam de a usar e outros há que a detestam. Gostando ou não gostando, a gravata assumiu-se e faz parte das peças que estão guardadas no armário da roupa da maioria das pessoas. De tal forma ganhou importância que até foram desenvolvidas cruzetas especiais só para pendurar gravatas! Se é um facto que toda a gente a conhece, poucos são aqueles que sabem a sua história. Como é que um pedaço de tecido, fino, de cores diversas, sem aparente utilidade, se tornou numa peça de uso quase obrigatório? E mais do que isso, como se tornou esta tira de fabrico sintético, a ser símbolo de etiqueta e de formalidade? 

Se pesquisarmos a palavra gravata na enciclopédia ou num dicionário da língua portuguesa, não conseguimos ficar muito mais elucidados. Gravata é uma tira de tecido que se passa à volta do pescoço, geralmente sob o colarinho da camisa, e que se ata em nó ou laço à frente (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa). No mínimo é estranho, que uma tira com um nó ou laço na frente tenha tido tanta popularidade, mesmo que muitas vezes obrigatória.

Mais estranho ainda é sabermos que o raio do nó da gravata, é difícil de fazer  e como se um não bastasse, existem vários tipos de nós com nomes pomposos - Windsor, meio-Windsor, Americano, o de Shelby também conhecido por nó de Pratt, que vieram complicar ainda mais a situação. Estranhamente o nó mais fácil de fazer, o chamado nó ordinário, denominado pelos franceses de petit noeud, é o menos conhecido e o menos usado. Com um nome destes é fácil de compreender porquê...ninguém que use uma tira de tecido apertada no colarinho da camisa, gosta de ter um nó com o nome de ordinário junto ao pescoço! 

No antigo Egipto, foram descobertas múmias que possuíam junto ao pescoço objectos feitos de ouro ou de cerâmica, muito semelhantes às actuais gravatas: tinham a forma de cordão que terminava num nó. Eram usados como amuletos e conhecidos pelo nome de Sangue de Ísis que tinha como função proteger os mortos dos perigos da eternidade. Também o exército chinês do Imperador Qin Shihuang, que foi o primeiro Imperador da China Unificada e que iniciou a grandiosa construção da Muralha da China, usava à volta do pescoço um tipo de cachecol com um nó como símbolo de prestígio e de status, por pertencerem à força militar do Imperador. Quando o seu túmulo foi aberto em 1974, as estátuas do famoso exército de terracota que foi construído como réplica exacta do seu exército, apresentavam todas elas panos com um nó à volta do pescoço. Também os romanos utilizavam o chamado focale que mais não era do que uma faixa de pano que os soldados romanos utilizavam para proteger o pescoço da armadura e do frio, que era feito em lã ou linho. O Imperador Trajano  mandou erigir no ano 113 dC, uma fabulosa coluna, a chamada Coluna de Trajano, onde estão representados  milhares de soldados muitos deles com o focale ao pescoço.

No entanto é aos croatas que devemos a introdução da gravata como peça de vestuário. Durante a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) em que estiveram envolvidas várias nações europeias por motivos religiosos, dinásticos, territoriais e comerciais, soldados croatas lutaram ao serviço da França. Após uma batalha contra o Império Habsburg, o exército francês foi recebido pelo Rei Luís XIV em Paris, e entre eles encontrava-se um regimento de soldados croatas, que usavam tiras de tecido colorido ao pescoço. Este enfeite de cor era feito de tecido rústico para os soldados e de algodão ou de seda para os oficiais, distinguindo assim as patentes militares. Por volta do ano 1635, cerca de seis mil soldados e cavaleiros vieram a Paris para dar suporte ao rei Luis XIV e ao Cardeal Richelieu. Entre eles, estava um grande número de mercenários croatas. O traje tradicional destes soldados despertou interesse por causa dos cachecóis incomuns e pitorescos enlaçados em seu pescoço. Os cachecóis eram feitos de vários tecidos, variando de material grosseiro para soldados comuns a seda e algodão para oficiais (La Grande Histoire de la Cravate, Flamarion, Paris, 1994). Os franceses encantaram-se com o colorido adereço, que denominaram de cravat que significa croata. O impacto deste pedaço de tecido foi tal que o próprio rei francês ordenou que o seu alfaiate particular produzisse uma peça semelhante à utilizada pelos croatas e a introduzisse no seu trajo real.
Em 1660 Carlos II de Inglaterra, regressou ao seu país para reclamar o trono, e com ele foram vários aristocratas ingleses que já tendo adquirido uso da cravat em França, iniciaram a moda nas ilhas britânicas.
O seu uso popularizou-se rapidamente pelos restantes países europeus e posteriormente pelo continente Americano.
Curiosamente o exército francês manteve até 1789, altura da Revolução Francesa, um regimento de elite a que chamava Cravate Royale. A palavra portuguesa gravata deriva da francesa cravate, que originalmente significa croata (cravat).

Um pedaço de tecido de origem bélica, foi transformado pelos franceses num adereço de vestuário, apenas porque acharam vistosa e apelativa uma tira colorida usada pelos soldados croatas. Bem descrito nas palavras de Nabuco de Araújo, ministro da Justiça e Senador do Império do Brasil de 1858 a 1878, está o simbolismo da gravata e a sua ligação a uma elite da sociedade: a liberdade existe para nós, homens de gravata lavada, e não para o povo. Sem nenhuma utilidade prática chegou até aos nossos dias e ainda hoje é usada por milhões de pessoas em todo o mundo. É sem dúvida uma questão que dá muito que pensar...




terça-feira, 6 de novembro de 2012

A ponte Luis I ao longo do tempo

Quando pensamos nas cidades do Porto e Vila Nova de Gaia, vem-nos logo à memória uma grande obra arquitectónica: a ponte Luís I. Esta ponte inaugurada em 1886, faz parte destas cidades e das suas gentes. A ligação das margens do rio Douro através desta obra de arte em ferro, está de tal maneira ligada à paisagem, que parece que a ponte "nasceu" com o rio e que sempre ali esteve. Mas a verdade é que a deslumbrante paisagem do rio Douro serpenteando entre as cidades, nem sempre foi esta que conhecemos. Melhor do que quaisquer palavras, as imagens ilustram bem o passar do tempo... 

1809
Henry Smith "Oporto, With The Bridge Of Boats" 1809 (Ponte das Barcas)

1842
Ponte Pênsil

1869-1871
Ponte Pênsil

1881-1886



A construção do Ponte Luís I 

1886


A Ponte Pênsil e a Ponte D. Luís I 

1888



1903
1905


 1910-1915




1930-1950

2000

(Autor: Padroense)
2005...







O tempo foi passando, a paisagem mudou, as cidades cresceram, mas a ponte Luís I permaneceu sólida, deslumbrando todos os que por ela passam. Ligando as margens do Douro, uniu gerações de pessoas. Tudo mudou, mas a beleza da paisagem essa manteve-se!

Nota: As fotos sem autor identificado foram retiradas da página "Porto Desaparecido" em  www.facebook.com/PortoDesaparecido?fref=ts