quinta-feira, 17 de maio de 2012

A festa do povo do Porto


Não há festa mais popular do que o São João do Porto! Sem destino certo, sem razão de ser, o povo sai à rua apenas para ser mais um no meio da confusão e fazer parte da multidão anárquica que se espraia pelas ruas e ruelas da cidade. Não há festa combinada, não há nada a fazer, apenas passear e sentir o vibrar e a alegria das gentes do Porto em festa. Não sendo padroeiro da cidade, o Santo de nome João, foi adoptado pelos portuenses e tornou-se no dia feriado desta cidade por referendo público. De facto no dia 11 de Janeiro de 1911, a República Portuguesa estava no seu inicio, e o Governo Provisório na tentativa de impor uma nova ordem sobre a população redefiniu os feriados nacionais por decreto. Nesse mesma lei impunha aos Municípios do país a escolha do feriado próprio:  As câmaras ou comissões municipais e entidades que exercem comissões de administração municipal, proporão um dia em cada ano para ser considerado feriado, dentro da área dos respectivos concelhos ou circunscrições, escolhendo de entre os que representem factos tradicionais e característicos do município ou circunscrição. A Comissão Administrativa do Município do Porto, reuniu no dia 19 de Janeiro de 1911, e apesar do dia 24 de Junho ter sido logo apontado como uma das hipóteses, não houve consenso. Um dos elementos da Comissão, de nome Sousa Júnior, lembrou que de acordo com o principio democrático que imperava na cidade, nada devia ser decidido sem que o povo do Porto fosse ouvido. E assim foi! No dia 21 de Janeiro, surge na primeira página do Jornal de Noticias um anúncio com o titulo Consulta ao Povo do Porto, onde era explicado que os portuenses teriam que enviar para o jornal até dia 2 de Fevereiro um bilhete-postal ou meia folha dentro de um envelope com a indicação do dia da sua preferência. 
Ao longo dos dias o jornal ia relatando a evolução da votação e os dias mais votados eram o 24 de Junho e o dia 1 de Maio. No dia 4 de Fevereiro de 1911, foram publicados os votos finais do referendo popular: o dia 24 de Junho foi o mais votado, com 6565 votos, seguido pelo 1º de Maio, com 3075 votos, o dia de Nossa Senhora da Conceição, com 1975 votos, e o dia 9 de Julho, com oito. Ficou, pois, vencedor o dia de S. João que é aquele que o povo do Porto escolhe para ser o de feriado municipal. O povo decidiu e o feriado da cidade do Porto passou a ser o dia de São João. Mas mesmo quando o dia não era de feriado, a festa fazia-se e é de longa tradição. O mais antigo registo das festas de São João do Porto data do século XIV, onde Fernão Lopes na Crónica de D.João I, se refere à noite de São João do Porto como a maior folgança da cidade onde há festas cheias de animação e entusiasmo desabrido. A noite de 23 para 24 de Junho festeja-se na cidade Invicta há mais de 600 anos! Festa de origem pagã, marca a noite do solstício de Verão, antigo culto do Deus Sol. As fogueiras de São João,  ritual de purificação e de fertilidade, que ainda hoje fazem parte da tradição popular, estão relacionadas com o culto solar, tal como o lançar dos balões. Outra das tradições antigas é a utilização  do alho-porro. Sendo visto como um protector contra os maus-olhados, deve ser levado na noite de São João para casa e colocado atrás da porta durante todo o ano. O acto de passar o alho-porro pela face de alguém na noite são joanina, significa desejar boa sorte e protecção contra os espíritos maléficos. 
O manjerico é outro dos símbolos presentes na festa. Seguindo a tradição romana, que considerava a erva do manjerico como a erva dos namorados, é visto como o símbolo de amor e de namoro. Engalanado com uma quadra tradicionalmente de galanteio ou de elogio, era usado como meio de convidar uma rapariga a namorar. Como disse Júlio Couto (economista, historiador e professor de dicção, nascido no Porto) por alguma razão, tempos houve em que na Maternidade Júlio Dinis, os médicos já sabiam que não havia férias para ninguém, 9 meses depois do S. João. Mas não há festa de São João em que não se ouçam os característicos sons dos martelinhos. Apesar de estarem tão ligados a esta festividade popular, os martelinhos só se juntaram à festa em 1963. Manuel António Boaventura, industrial de plásticos do Porto, foi o obreiro deste símbolo das festas de São João. Numa das suas viagens ao estrangeiro viu um saleiro em forma de fole, que lhe deu a ideia para fabricar um brinquedo. Ao fole adicionou um cabo de plástico e deu-lhe a forma de martelo. Nesse mesmo ano os estudantes universitários requereram ao industrial um brinquedo ruidoso para a Queima das Fitas, e o mais ruidoso que tinha era o recém-fabricado martelinho. O sucesso foi imenso e o martelinho começou a ser pedido pelos comerciantes do Porto, para os festejos de São João. Rapidamente aceite pelas gentes do Porto, tornou-se um símbolo festa e durante 5 ou 6 anos foram vendidos para a noite do Santo portuense. 
No entanto, a Câmara do Porto, através do seu presidente e do seu vereador, decidiu fazer queixa ao Governo Civil do Porto, do martelinho. Consideravam que ia contra a tradição popular! No ano seguinte, foram apreendidos todos os martelinhos que existiam nas lojas comerciais e foi proibida  a sua comercialização. Quem fosse apanhado a vender o dito martelo seria multado em 70 escudos. No entanto nada demoveu os portuenses, que mantiveram a tradição por eles criada e continuaram a usar os martelinhos que possuíam dos anos anteriores. Só em 1973, Manuel António Boaventura, após ter perdido nos tribunais de 1ª e 2ª instância, conseguiu ganhar no Supremo Tribunal, a acção que entretanto tinha posto contra a Câmara do Porto.Finalmente os martelinhos de São João eram livres de serem fabricados e vendidos! Assumindo quase um carácter mágico e inexplicável, a noite de São João é uma festa de celebração e de libertação. Nesta noite festejam-se rituais antigos, confundem-se cheiros e sabores, libertam-se medos e respira-se liberdade. Sem receios, sem pudores, com alma e garra, as pessoas misturam-se e partilham momentos de pura alegria, que só quem viveu uma noite de São João do Porto pode entender. Como diz a quadra popular 
Na noite de São João
É tanta coisa que nunca vi.
Sai à rua, pois então,
Porque o Porto chama por ti.
A cidade clama pelas suas gentes e nada mais há a fazer do que lhe obedecer!É assim o São João do Porto!

2 comentários:

  1. Olá! Adorei o seu texto sobre o S. João do Porto! Não é verdade que não há nada para fazer, há muita coisa para fazer na noite de s. João!Eu cresci em Braga e a festa de Junho era a minha favorita. Ao contrário das outras crianças, que esperavam pelo Natal, eu esperava pelo s. João. Nos últimos dois anos fui ao Porto passar o s. joão. Não se se irei este ano pois o orçamento está bem apertado e tudo é caro, ir, ficar...até o alho é caro, e eu prefiro ao martelo!:))Já vivi no Porto por 2 vezes e espero voltar, mas até agora não tenho tido sorte nas entrevistas. É a cidade portuguesa que mais gosto! Parabéns, mais uma vez, pela postagem!

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  2. Muito obrigada pelo seu comentário!Eu adoro a festa de São João e desde que me lembro que participo nesta fantástica festa popular. Quando que referi ao facto de "não haver nada a fazer" estava a realçar a espontaneidade que está na base desta manifestação popular. Não há nada programado...as pessoas saem à rua sem nada marcado apenas para fazer parte da festa. Para mim é isto que torna o São João do Porto tão especial!Espero que consiga vir para o Porto, pois de facto partilho consigo a paixão pela cidade Invicta! Boa sorte!

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