sexta-feira, 27 de abril de 2012

O Senhor do Tempo



A passagem do tempo sempre foi uma constante. O tempo flui ininterruptamente, sem contemplações. Como disse Alexander Pope o tempo a tudo vence. Obedeçamos, pois, ao tempo. E nós obedecemos! Desde os primórdios da vida o Homem sempre se modelou ao tempo: o nascer do sol iniciava um dia de trabalho e o pôr do sol determinava o seu fim. A luz solar promovia uma sensação de protecção e segurança. Esta foi a primeira noção de tempo do Homem: a duração da luz do sol! Para poder ter uma maior noção da passagem do tempo surgem os chamados medidores do tempo, os relógios ou horológios no português antigo. A primeira tentativa de medir o tempo terá ocorrido com a utilização da própria sombra. Pela observação, o homem  pré-histórico verificou que a sua sombra aumentava de tamanho até um determinado momento - o zénite solar - e que depois ia diminuindo até desaparecer, quando a noite se instalava. A utilização de uma simples vareta de madeira espetada na posição vertical no chão, permitia fazer as mesmas medições de uma forma mais correcta. Surgiram assim os primeiros relógios solares. 
A utilização de gnómons, instrumentos que quando colocados em cima de uma superfície plana produziam sombra, permitiram determinar a duração do dia através do comprimento ou da posição da sombra projectada pelo sol. O relógio de sol mais antigo, construído em pedra, data de 1500 aC no Egipto, durante o reinado do faraó Tutmosis III. Outro método de avaliação da passagem do tempo eram os relógios de água ou clepsidras, que consistiam em dois recipientes colocados em níveis diferentes: um superior, cheio de líquido e outro inferior vazio e marcado com escalas. A uni-los existia uma pequena abertura, que permitia a passagem controlada do líquido para o recipiente inferior, sendo o tempo avaliado pelo nível que o liquido ia progressivamente atingindo. A mais antiga clepsidra que há registo surge na cidade de Karnak, no Egipto, na era de Amenófis III, há aproximadamente  1400 aC, e encontra-se exposta no Museu Egipcio do Cairo. Mais tarde surgem as ampulhetas ou relógios de areia. A passagem da totalidade de finos grãos de areia de um recipiente de vidro superior para um inferior, corresponde sempre ao mesmo espaço de tempo, marcando assim um período temporal. Foi muito usado em navios, sendo a ampulheta que durava trinta minutos a mais comum. No ano 850 dC, surge o primeiro relógio mecânico, com um sistema de pesos e engrenagens, construído por um monge francês  de nome Gerbert d'Aurillac, que posteriormente foi elevado a Papa, com o nome de Silvestre II. A partir de então os relógios mecânicos começaram a difundir-se rapidamente, com o aparecimento de novos construtores que desenvolveram e aperfeiçoaram esta máquina viva, fabricante de horas (Jeronymo Preti, poeta italiano)
Mais tarde, pelo ano 1500, Pedro Henlein, apresentou ao mundo o primeiro relógio portátil, o relógio de bolso. O ovo de Nuremberga, assim denominado devido ao seu formato oval, foi desenvolvido na cidade de Nuremberga, na Alemanha. Todo de ferro, possuía uma corda que durava quarenta horas. Foi uma novidade que teve grande adesão da aristocracia europeia, tornando-se rapidamente num símbolo de poder económico e posição social. Muitas vozes se levantaram ao longo dos anos com o desenvolvimento do relógio, à medida que o tempo ia sendo cada vez mais controlado e controlador. François Rabelais, padre, escritor  e médico francês do Renascimento afirma que jamais me submeterei às horas: as horas foram feitas para o homem, e não o homem para as horas. Uma luta digna mas inglória! Mas foi apenas no ano de 1640 que Galileu Galilei, ao aplicar a Lei do Pêndulo ao relógio mecanico, permite uma medição precisa do tempo, e possibilita a introdução da contagem dos minutos e dos segundos. O primeiro relógio com o ponteiro dos minutos surge em 1670 e cinco anos mais tarde, em 1675 o relógio fica completo com a introdução do ponteiro dos segundos. O homem ficava cada vez mais dependente da passagem do tempo e a sua medição minuciosa, tornou a vida quotidiana mais frenética e acelerada. Friedrich Holderlin, poeta lírico e romancista alemão, numa tentativa de combater o espírito existente, cada vez mais dependente do movimento dos ponteiros do relógio, afirma: vamos esquecer que existe um tempo e não vamos contar os dias da vida! Mas o tempo não parou e os relógios mostram a sua passagem cada vez com mais precisão. Em 1814, o relojoeiro suíço, Abraham Louis Bréguet, em resposta a uma encomenda da princesa de Nápoles, Carolina Muret, irmã de Napoleão Bonaparte, cria o primeiro relógio de pulso. No entanto esta invenção é também atribuída em 1868, a Athoni Patek e Adrien Philippe, da firma  Patek-Philippe, que desenvolvem o modelo de relógio de pulso e revolucionam o mundo da relojoaria. Durante muitos anos  este modelo de relógio é exclusivo da moda feminina. 
Só em 1904, Louis Cartier com a colaboração do relojoeiro Edmond Jaegar, desenvolve a pedido do aviador e inventor brasileiro Santos Dumont, que necessitava de controlar os seus tempos de vôo, o relógio de pulso para homem. Mais simples, sem brilhantes e pela primeira vez com uma pulseira de couro, teve uma grande aceitação por parte do público masculino. Mas o principal impulso para o comércio dos relógios de pulso, foi a Primeira Guerra Mundial, quando os soldados necessitados de controlar as horas  de modo a concertar os ataques bélicos, começaram a usar este modelo de relógio. Actualmente tudo é controlado pelo mover dos ponteiros do relógio. Modelos mecânicos, de quartzo, atómicos, com apresentação analógica ou digital, estes mecanismos que dão vida às horas, aos minutos e aos segundos pelos quais sincronizamos o nosso dia-a-dia, nunca mais deixaram de existir. Não vivemos sem eles e cada vez mais dependemos do seu movimento continuo e infindável.  Marcel Proust dizia que os dias talvez sejam iguais para um relógio, mas não para um homem. Mas os dias, os meses e os anos passam e  cada vez mais os dias são iguais para os homens, como tão bem define Miguel Torga, no seu poema Tempo:

Tempo, definição da angústia. 
Pudesse ao menos eu agrilhoar-te
Ao coração pulsátil dum poema!
Era o devir eterno em harmonia.
Mas foges das vogais, como a frescura
Da tinta com que escrevo.
Fica apenas a tua negra sombra:
O passado,
Amargura maior, fotografada.
Tempo...
E não haver nada,
Ninguém,
Uma alma penada
Que estrangule a ampulheta duma vez!
Que realize o crime e a perfeição
De cortar aquele fio movediço
De areia
Que nenhum tecelão
É capaz de tecer na sua teia!

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