A hora da refeição sempre foi ao longo dos tempos, um momento de reunião da família, especialmente na última da noite, altura em que terminava o dia de trabalho. Na Idade Média, tanto no campo como na cidade, as famílias de origem mais humilde, faziam a sua refeição junto ao lume onde a preparavam. Não havia utensílios para comer. Uma tigela ou uma escudela servia para colocar os alimentos líquidos ou pastosos, que daí eram sorvidos ou comidos com a ajuda de uma colher de pau. Os alimentos sólidos, se existissem, eram normalmente colocados sobre uma grossa fatia de pão e assim ingeridos. Os únicos talheres existentes eram a colher e a faca, servindo esta para cortar os pedaços maiores de comida sendo utilizada por todos. A bebida era servida numa pequena tigela, que circulava entre todos os membros da família. As famílias com algum poder económico, tinham muitas vezes um local próprio para comer. Uma mesa, toalha, faca, colher e tigela de melhor qualidade, eram utilizados. Mas o processo era o mesmo, apenas o número de utensílios era maior, e os donos da casa poderiam ter direito a beber e a comer com o seu próprio utensílio, enquanto os restantes eram partilhados. A comida sólida, essa era comida à mão, após ter sido cortada pelas facas existentes. Pobres, burgueses, nobres e reis, todos comiam à mão. (...) A mesma faca utilizada para caçar, para matar (...) era também utilizada à mesa. Essa prática pouco higiénica de espetar os alimentos com a faca e levá-los à boca, ainda é acompanhada da acção de pegar a comida com a mão (Sandro Dias, professor da História de Gastronomia). Na altura do Império Romano, o grau de nobreza na forma de comer, media-se pelo número de dedos que se levava à boca com a comida. As pessoas da alta burguesia nunca sujavam os dedos anelar e mindinho, usando apenas os outros três. Que os plebeus metam toda a mão na boca. Nós os nobres tocaremos a comida somente com três dedos... era esta a etiqueta à mesa!
Em meados do século XI, Theodora Anna Doukaina, princesa bizantina, casou com Domenico Selvo, o Doge (do latim Dux que significa chefe) de Veneza e levou para esta cidade muitos dos seus costumes. Entre eles estava o uso do garfo durante as refeições! A polémica instalou-se entre os venezianos e o costume trazido por tão bela princesa foi considerado demoníaco pela Igreja Católica. Não tocava os acepipes com as mãos, mas fazia com que os eunucos lhe cortassem os alimentos em pequenos pedaços. Depois mal os saboreava, levando-os à boca com garfos de ouro de dois dentes (São Pedro Damião). Moralistas católicos acreditavam que seu par de dentes lembrava o forcado com o qual a iconografia clássica representa o diabo. Criticavam sua função. Asseguravam que o alimento, dádiva de Deus, devia ser levado à boca directamente pelas mãos do homem. A princesa Teodora argumentava que o garfo era generalizado no Império do Oriente, tão cristão quanto Veneza, mas não obtinha sucesso (São Boaventura). Poucos anos depois a Princesa morre de uma doença degenerativa, o que foi visto como uma punição divina, pelo seu grande "pecado". Apesar de tudo isto, a utilização do garfo foi-se espalhando pela cidade e no século XV já era de uso comum por toda a Itália. No entanto no resto da Europa não era utilizado. Em 1533, Catarina de Médici, nascida em Florença, casa com o futuro Rei de França, Henrique II, tendo levado consigo o garfo, de uso corrente em Itália. Mais uma vez a polémica instalou-se. Considerada uma sofisticação desnecessária não foi aceite pelos nobres franceses e os cozinheiros diziam que o metal do garfo alterava o sabor dos alimentos. Apenas com o Henrique III, seu filho, o uso do garfo é instituído na Corte, e de uma forma individualizada, já que até então o mesmo garfo era usado por várias pessoas. Este talher considerado inicialmente demoníaco foi gradualmente sendo adoptado pelos membros da nobreza e do clero, e passou de desnecessário a imprescindível. A partir desse momento a etiqueta à mesa obrigava ao uso de variados tipo de garfos, e quanto maior fosse o seu número mais elegante era a família que recebia! A Inglaterra do século XVII ainda não conhecia esta novidade. No diário de Thomas Coryat, famoso viajante inglês pode ler-se o seguinte: Os italianos servem-se sempre de um pequeno instrumento para comer (...). A pessoa que (...) toca a carne com os dedos ofende as regras da boa educação, é olhada com suspeita e muito criticada. Come-se assim em toda a Itália. Os garfos são de ferro ou aço; os nobres usam de prata. Adoptei este costume e conservo-o inclusive em Inglaterra. Os meus amigos, todavia, fazem troça (...). Em Portugal o garfo foi introduzido por D. Beatriz, mãe de D.Manuel I, pelo ano de 1450, tendo sido usado pela Corte de forma muito casual. No entanto o seu uso popularizou-se na Corte apenas em 1836, após o casamento de D. Maria II com D. Fernando de Saxe-Cobourg-Gota, quando este convenceu a Rainha a usar o novo utensílio de forma habitual. Rapidamente se espalhou pela aristocracia e pela burguesia, chegando posteriormente a toda a população.
Actualmente o garfo, juntamente com a faca e a colher, faz parte do nosso quotidiano. Para compensar o desgraçado do garfo pelas odisseias por que passou até chegar aos nossos dias, até existe a expressão um bom garfo, que designa aquele que gosta de comer! Não deixa no entanto de ser irónico, que actualmente existam restaurantes que apresentem pratos com um serviço denominado Finger Food, ou seja para comer à mão!
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