Escrevemos
porque não queremos morrer. É esta a razão profunda do acto de escrever. Esta frase de José Saramago ilustra bem o poder da escrita. A necessidade de comunicar, de transmitir informação e de manter na memória das novas gerações saberes antigos foi desde sempre uma das principais preocupações do Homem. Perpetuar as nossas memórias, faz-nos sentir de facto imortais. Era preciso algo para manter vivas todas as descobertas, todo o saber, toda a memória humana, e à medida que o Homem evoluía essa necessidade tornou-se mais premente. A vontade humana de se expressar levou ao aparecimento da escrita. No quarto milénio a.C , na Mesopotâmia, nasce a escrita cuneiforme (do latim cuneus que significa cunha + forma com o mesmo significado em português) que é a forma de escrita mais antiga conhecida. Os Sumérios, que na altura habitavam na região sul da Mesopotâmia, entre os rios Tigre e Eufrates, desenvolveram este tipo de escrita pela necessidade de registar a circulação de pessoas e bens. Com recurso a um tipo de cunha - instrumento pontiagudo de forma triangular - que utilizavam para gravar símbolos em placas de barro, desenvolveram uma escrita que chegou a possuir 350 caracteres cuneiformes. Arqueólogos descobriram recentemente bibliotecas na região da antiga Mesopotâmia, sendo a mais famosa aquela que pertenceu ao rei Assurbanipal, último rei sírio (668 a 627 a.C.), a chamada Biblioteca de Ninive, que continha milhares de textos escritos em tabuinhas de barro cozido, entre as quais se encontravam decretos e cartas reais, crónicas e textos religiosos, que se tornaram na principal fonte de conhecimento sobre a vida dos povos Sumérios.
A primeira pessoa a decifrar a
escrita cuneiforme, mantendo viva a memória suméria, foi o alemão Georg
Friendrich Grotefrend (epigrafista alemão) em 1802. Quase ao
mesmo tempo desenvolvia-se no Antigo Egipto a escrita hieroglífica. A
palavra hieróglifo, provém da conjugação de duas palavras
gregas: hierós que significa sagrado e glýphein que
é o mesmo que escrita. As mais
antigas inscrições hieroglíficas datam do terceiro milénio a.C.
sendo uma escrita monumental e religiosa, com cerca de 6900 caracteres,
que chegou até nós nas ruínas de templos religiosos e em
túmulos. De difícil compreensão e tradução, foi apenas com a
descoberta da Pedra de Roseta no ano de 1799 (descoberta pelo exército
comandado por Napoleão Bonaparte na região de Roseta no Egipto) que foi
possível entender na totalidade a escrita do antigo Egipto. Esta Pedra tem a
particularidade de ter o mesmo texto - um decreto do rei Ptolomeu V promulgado
no ano 196 a.C. - em três escritas diferentes: na escrita hieroglífica do
antigo Egipto, em demótico (variante escrita
do egípcio tardio) e no grego antigo. Em 1803 foi feita a
tradução do texto em grego antigo e em 1822 Jean-François Champollion (linguista
e egiptólogo francês) anuncia a decifração dos textos egípcios. A
memória dos antigos egípcios tinha sido finalmente recuperada. Cerca
de 1100 a.C. os Fenícios desenvolveram um tipo diferente de escrita em que
um símbolo significava um som , ou seja desenvolveram um alfabeto
para uma escrita fonética. A palavra alfabeto é de
origem grega e conjuga as duas primeiras letras do abecedário helénico: alpha (a
letra a do nosso abecedário) e beta (a letra b do nosso
abecedário). No entanto na escrita fenícia existiam duas letras com o nome
de alef e bet! O alfabeto fenício tinha 19 caracteres e eram apenas consoantes.
Esta invenção foi um
momento histórico para a Humanidade. Esta escrita foi adoptada e aperfeiçoada pelos gregos por volta do ano 800 a.C, sendo a base de
todos os alfabetos das línguas ocidentais. As consoantes utilizadas
no alfabeto romano, foram criadas pelos fenícios e as vogais
posteriormente acrescentadas pelos gregos. A escrita permitiu ao homem
perpetuar o seu conhecimento e a sua cultura, e está na base de todo o
progresso humano. Escrever é lembrar-se (François
Mauriac) e manter viva a memória de tempos idos fez de nós o que
somos. Acumulando saberes, relembrando tradições, transmitindo
conhecimento através da escrita conseguimos honrar aqueles que antes de nós
procuraram esse saber e esse conhecimento. Milhares de anos passaram desde os
primeiros registos escritos conhecidos, mas a memória de quem os realizou, permanece em nós graças à sua capacidade criativa de transmissão e de expressão. A
memória das suas vidas não se perdeu e graças à sua forma de
comunicação, chegou até nós, e proporcionou-nos uma nova visão do
nosso passado. Como disse Jean Clézio (escritor francês) a escrita
é a única forma perfeita do tempo.
Gosto muito dos seus posts, como já referi.A minha filha mais nova segue História na FLUL, e eu penso que a história é a memória do mundo.Aqui encontramos sempre um pedacinho de memória. Obrigada.
ResponderEliminarObrigada! A memória na nossa actual sociedade está a ficar cada vez mais curta. Agora só interessa o tempo presente e o futuro. O passado ficou para trás e poucas vezes é recordado. No entanto tem tantas coisas para nos ensinar que espero conseguir manter viva a memória daqueles que nos antecederam.
ResponderEliminarE está a conseguir na perfeição !
EliminarVejo a escrita como forma de lavar a alma. Eternizar, no meu caso, não!
ResponderEliminarBrilhante trabalho neste seu blogue.
Abraço