Nasci no século XX, logo nasci no
século passado! Esta dedução fácil de se fazer é algo pesada, pois
só o conceito de século passado, dá logo ideia de algo que já se passou há
muito, muito tempo...Um sobrinho meu fez-me uma pergunta que me fez parar para
pensar: ó tia, é verdade que quando tu nasceste não havia nem
telemóveis, nem computadores ? perguntou ele olhando-me com certo ar
de incredulidade. Obviamente tive que lhe responder sem mentir: é
verdade, sim senhora! Não contente com a resposta voltou à carga: mas
então, o que é que vocês faziam? E nesse momento recuei uns anos e
lembrei-me que eu própria tinha feito uma pergunta semelhante aos meus pais e aos
meus avós, quando os questionei como é que eles tinham conseguido viver sem
televisão. Simplesmente me responderam com um muito bem! Tudo parece tão definitivo e indispensável, que achamos que não
sabemos viver sem aquilo que nos rodeia no nosso quotidiano. Mas será que somos
mais felizes agora do que eram os nossos pais e avós? Não há resposta exacta
para uma pergunta como esta, mas às vezes faz-nos bem pensar nestas pequenas
grandes dependências que vamos acumulando ao longo dos anos. De facto eu nasci
numa altura em que não existiam nem telemóveis e nem computadores e era muito
feliz. Como não sabia do que se tratava não sentia falta. A vida era recheada
de imaginação e fantasia, ocupada com jogos e brincadeiras muitas vezes por nós
inventadas, sem grandes regras nem objectivos.
Apenas queríamos brincar e conviver. O telefone era o de casa dos
meus pais e existia só um, grande, pesado e com um disco para marcar os
números, que era usado apenas com autorização paterna, pois as chamadas eram caras.
Quando os meus pais nos autorizaram a ter um telefone no quarto, ainda por cima
de teclado, foi uma alegria e um autêntico luxo: dois telefones em casa! Tudo o
que era novidade nos atraía e deslumbrava. No século passado, naquele em que
nasci, também não haviam escadas rolantes, nem portas de abertura automática,
nem hipermercados, nem centros comerciais, nem video-gravadores, nem uma
data de coisas que hoje são consideradas indispensáveis. Lembro-me tão bem do
fascínio que foi ver as primeiras imagens gravadas pelo
video-gravador...ninguém percebia muito bem como era possível, nem como
funcionava, mas era deslumbrante! Gravamos cassetes e cassetes, de programas
sem qualquer importância, e até anúncios, só para podermos rever as imagens
passadas em directo e acreditar que gravar som e imagem ao mesmo tempo era
possível!
E da primeira vez que andei de escadas rolantes, no primeiro shopping
da cidade do Porto e do país, ali para os lados da Rotunda da Boavista, pensei que estava
a sonhar. Subir sem mexer as pernas, numas barulhentas escadas de ferro que nos elevavam
rapidamente, era mágico. Lembro-me que do medo inicial passei rapidamente a
sentir uma necessidade constante de subir e descer todos os lanços de escadas
rolantes existentes, pois a sensação era única. Esse shopping era um mundo
mágico, pois além das escadas tinha também portas de vidro que abriam quando
nos aproximávamos, tal como na série da televisão Espaço 1999...seriam poderes sobrenaturais ou magia? Tudo era novo, tudo
era fascinante. Mas loucura total foi quando visitamos o primeiro hipermercado
no grande Porto. Eu nem dormi na véspera só de pensar no que iria encontrar
numa loja gigante, cheia de todo o tipo de artigos, tudo no mesmo sítio.
Imaginava cerca de 100 mercearias do meu bairro juntas e achava que era
impossível. Mas quando entrei pela primeira vez naquela loja imensa, cheia de
corredores e prateleiras, submersa em luz e som, repleta de gente e barulhos,
fiquei em êxtase. Nada me tinha preparado para aquilo. O meu mundo estava
de facto a mudar. E a cereja no cimo do bolo, foi o Spectrum! O meu primeiro
computador, se assim se pode chamar a uma caixinha fininha que tinha um
teclado, e que tínhamos de ligar a uma gravador
onde púnhamos as cassetes com jogos, que
depois ligávamos à televisão para podermos jogar. Nunca mais me
vou esquecer do barulho metálico e agudo que fazia o gravador
enquanto carregávamos os jogos...durava uma eternidade e ás vezes era
necessário voltar a carregar vezes sem conta. Mas quando conseguíamos
começar a jogar, esquecíamos tudo aquilo por que tínhamos passado e sentia-mo-nos
pessoas do futuro! Depois vieram os PC (Personal Computor) com o sistema DOS que punham
qualquer um louco, com as palavras de comando DIR, EXE, LIST e muitas outras
mais, que tínhamos que teclar num
écran assustadoramente negro; as câmaras de vídeo, que
pesavam toneladas e que tinham como acessórios o foco de luz e o video-gravador
colocado num tipo de carteira com alça, e que punham de rastos quem exercia a
função de camaraman; e finalmente os telemóveis. Enormes, pesados,
mas que nos permitiam telefonar em qualquer lado e sem qualquer fio.
Tínhamos atingido
o momento alto da nossa evolução. E passamos a achar que nunca
mais iríamos conseguir viver sem os vídeos, sem as escadas
rolantes, sem os shoppings, sem os centros comerciais, sem os telemóveis e sem
os computadores. A vida simples, sem artefactos e sem consumismo, tornou-se
completamente desinteressante. Viver sem estas
conquistas tecnológicas tornou-se estupidamente ridículo e anacrónico!
Daí a incrédula pergunta que eu fiz aos meus pais e avós e que muitos anos
depois o meu sobrinho me fez a mim. Apesar da velocidade da evolução
tecnológica ter aumentado exponencialmente nestes últimos anos, a situação
é idêntica. Esquecemos-nos de viver com simplicidade. Não conhecemos o
nosso habitat sem estar repleto de tecnologia . Não reconhecemos a natureza e
nada sabemos dela. Somos uns estranhos se colocados num mundo simples, sem
computadores, sem televisão, sem telemóveis, sem hipermercados. Tornamo-nos numa
espécie completamente dependente da tecnologia e sem ela ficamos perdidos.
Nasci no século passado e vivo no século actual, mas tenho muitas
saudades da simplicidade da minha infância e da imaginação que tinha em
criança. Agora já não se imagina, nem se fantasia. As descobertas e invenções surgem-nos em catadupa, e muito para além da nossa imaginação.
Nem mais. Eu também sou do século passado, altura em que a vida era muito mais simples e sem gadgets para nos tornarem a vida msis fácil.
ResponderEliminarCompletamente de acordo com a Maria D Roque!
ResponderEliminarO mundo mudou...e na minha modesta opinião, demasiado!!
ResponderEliminarGostei do texto, mas não creio que o êxtase fosse assim tão grande, porque, de certa forma, quando íamos lá fora (a Londres ou a Paris, por exemplo) -- ou até mesmo a Lisboa! -- já víamos um pouco desse "futuro". Quando era pequeno, lembro-me que o que mais gostava em Lisboa era andar nas escadas rolantes do metro. Por isso, quando o Brasília abriu em 1976 com as primeira escadas rolantes do Porto, até fiquei um pouco dececionado por serem pequenas... Um abraço, Manuel de Sousa
ResponderEliminarPois é, mas para quem na altura ainda não tinha saído deste país à beira mar plantado, qualquer novidade por pequena que fosse era uma aventura... :))
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