quinta-feira, 22 de março de 2012

O Caldo: alimento milagroso

A palavra Caldo provém da palavra latina caldus, que significa quente. No entanto caldo, para o comum dos portugueses, significa alimento liquido que se prepara cozendo em água substâncias alimentícias. A Enciclopédia define caldo como uma substancia liquida nutritiva, preparada pela coacção de carne ou de outra substancia alimentícia. Uma forma mais pomposa de dizer a mesma coisa! 
Na Idade Média, o caldo era o prato forte da refeição dos estratos populacionais mais pobres. Eram feitos à base de legumes e hortaliças secas. Mas esses caldos, em situações especiais e de acordo com as possibilidades económicas da família, eram enriquecidos com um naco de carne, que poderia ser de galinha, de vaca ou de porco. Essa carne servia apenas para dar sabor ao caldo, já que era retirada para ser usada posteriormente noutra refeição. Era principalmente apreciado um bom pedaço de toucinho ou uma peça de enchido, pelo sabor e pela gordura que introduziam no caldo, e especialmente por poder ser saboreado no final com um naco de pão. Com os legumes secos que entravam no caldo, com as castanhas que eram muito utilizadas, e sobretudo com cereais (cevada, milho e painço) todos eles farinados e em misturas mais ou menos variadas, confeccionavam-se depois as papas. Era esta uma forma de confecção milenar, e que por ser simples e nutritiva, se foi conservando ao longo de gerações. Nas classes mais favorecidas, o caldo também era usado, como base da refeição, mas obviamente mais enriquecido. No primeiro livro de culinária que há registo em Portugal, de nome "Livro da Cozinha da Infanta D. Maria", do século XVI, estranhamente não há qualquer referência ao caldo, apesar de ser a base da alimentação portuguesa...talvez por ser considerada a alimentação dos pobres! Em Portugal as primeiras receitas de caldo aparecem com a publicação em 1680 do livro "Arte da cozinha" de Domingos Rodrigues, cozinheiro de D. Pedro II.  São apresentados dois caldos, sendo um de galinha e outro à francesa (com junção de pão) também chamado de sopa. O caldo português, o mais enriquecido, rapidamente se espalhou pela europa gastronómica, e a primeira referência internacional surge em 1780 no livro intitulado "Cozinheiro moderno ou nova arte da cozinha", com a receita do caldo geral ou ordinário, além de vários caldos, bons para curar diversas doenças. No "Grande dicionário de Culinária" de Alexandre Dumas, publicado em 1873 após a sua morte, quando se refere ao caldo começa por escrever que não existe uma boa cozinha sem um bom caldo, considerando este como um ponto de partida para a excelência da cozinha francesa. Elogia ainda as mulheres portuguesas pela confecção do caldo. No seu livro intitulado "Cidade e as Serras", Eça de Queiróz descreve o deslumbramento do abastado Jacinto, fino parisiense, ante a degustação do caldo: Desconfiado provou o caldo, que era de galinha. Provou-o e levantou para mim uns olhos que brilharam, surpreendidos. Tornou a sorver uma colherada mais cheia, mais considerada. E sorriu, com espanto: - Está bom! (...) Estava precioso. O seu perfume enternecia. Mas o caldos não serviam apenas para a alimentação do dia a dia. Eram usados na Medicina da época e eram receitados frequentemente, pelos melhores médicos do reino. Na Historologia Médica de 1739, de José Rodrigues de Abreu, a receita para as queixas de tosse e dores das articulações era um caldo de farinha a que se devem juntar umas colheres de açúcar e uma ou duas gemas de ovos. Este caldo é celebre por toda a Europa, a que se devem juntar umas raizes de chicória. Nas Memórias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, de 1863 pode-se ler o seguinte: creança de 6 anos atacada com angina diphtherica (...) fazer apenas dieta de caldos; creança de 4 anos com garrotilho (...) fazer caldos de tapioca seguidos de caldos de galinha; senhora com acessos de tosse (...) 2º e 3º dia caldos de farinha, de fécula e de aletria. Nos 3º e 4º dias juntar ovos ao caldo de leite.
Actualmente o nome caldo está em desuso, tendo sido substituído por sopa, mas ainda podemos ver a palavra caldo no nosso dia a dia. Dizemos muitas vezes quando as coisas correm mal que o caldo está entornado, referência à calamidade que era para uma família com fracos meios de subsistência, o facto de se entornar a refeição que tinham para o dia. 
Também em provérbios populares ele está presente: cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguémA sopa pode ter ganho a batalha dos tempos modernos, mas há uma pequena vingança do caldo: a mais conhecida sopa portuguesa é o CALDO verde!  

4 comentários:

  1. Que rico "caldinho" nos preparaste tu! Parabéns, pela pesquisa e escrita de fácil leitura.

    Toni

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  2. Fiquei com vontade de comer um caldinho verde!!

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  3. Ora, pelo menos no caldo o "meu" Sporting leva a melhor...nem caldo azul, nem caldo vermelho! É mesmo VERDE! e BOM! e Cheio de "ferro"...

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    1. Ora bem! Como dizem os da cor azul, "até o comemos"!!E de facto o caldo verde é mesmo bom para comer!

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