As superstições, os costumes,
os jogos, os contos, as cantigas, as advinhas, as rimas infantis, as orações,
as xácaras (narrativas populares) todas estas tradições que
constituem o folclore, parecem na verdade à primeira vista
objectos destituídos de importância, e próprios exclusivamente
de espíritos ignorantes e rudes (Leite de Vasconcelos in
Tradições Populares de Portugal, 1882). As tradições populares
são imprescindíveis para a cultura de um país, pois transmitem
o modo como as pessoas encaravam a natureza e como com ela conviviam,
elucidam-nos sobre o passado e são a verdadeira obra do povo.
O folclore, palavra portuguesa que derivou dos vocábulos ingleses folk (povo) e lore (saber
tradicional), é a ciência das tradições, dos usos e costumes
populares, crendices e superstições, que se transmitem através de lendas,
canções, contos, provérbios, jogos e tantas outras actividades culturais que
nasceram e se desenvolveram com o povo. A UNESCO declarou que o
folclore é sinónimo de cultura popular e representa a identidade social de uma
comunidade, através das suas criações culturais, colectivas ou individuais, e é
também uma parte essencial da cultura de cada nação. Onde está o nosso
folclore? O que sabemos das nossas tradições e crenças populares? Para além das
danças que quase todos os portugueses conseguem identificar como sendo o vira
do Minho, os pauliteiros de Miranda, o corridinho do Algarve ou o bailinho da
Madeira, onde está o resto do nosso folclore? Esquecido ou quase...essa parte
essencial da cultura de cada nação, quase não existe em Portugal. As figuras do
folclore português são desconhecidas. Se falarmos de duendes, gnomos, elfos e
fadas facilmente os identificamos como fazendo parte do folclore da Irlanda,
Inglaterra, Noruega e outros países nórdicos. Mas se falarmos de trasgos,
mouras encantadas, olharapos, almazonas e tardos, poucos serão capazes de saber
que fazem parte do nosso folclore e que tanto têm para contar. Será que é por
serem nossos? Para compensar a ausência de divulgação dos nossos entes
encantados aqui fica uma pequena apresentação de cada um deles:
Trasgos - é um ser
encantado do folclore do norte de Portugal, mais concretamente da região de
Trás-os-montes.
Aparentados com os trasnos galegos, são
pequenos seres rebeldes, que usam gorros vermelhos e possuem poderes
sobrenaturais. Os trasgos perseguem principalmente as mulheres,
fazendo-lhes variadas judiarias, quando elas estão na cama. Atiram pedras pela
janela, quebram as louças da cozinha (Leite de Vasconcelos in
Tradições Populares de Portugal, 1882). Estas pequenas criaturas endiabradas
arrastam os móveis, mudam as coisas de sítio, partem vidros e muitas
travessuras especialmente durante a noite. Pela sua descrição, parecem
corresponder aos famosos duendes, gnomos ou elfos da mitologia dos países
nórdicos, porém, ao contrário destes, os trasgos são praticamente desconhecidos
nas sociedades modernas, ditas civilizadas, porquanto a sua sobrevivência está
circunscrita a uma cultura popular estritamente oral, que sempre foi
subalternizada pelas sociedades mediáticas (Alexandre Parafita,
investigador de Património Cultural Português). Na memória
dos transmontanos mais idosos os trasgos ainda estão bem vivos
e são descritos como uma raça de figurinhas míticas, rebeldes e que adoram
pregar partidas. Ainda hoje quando alguém faz alguma brincadeira ou é mais
rebelde, os mais velhos dizem aquilo é um trasgo! Segundo as
antigas crenças, são pequenas almas penadas, crianças que não foram
baptizadas antes de morrer e que regressam às casas que habitavam para pregar
partidas. Assim acontece, por exemplo, no concelho de Vimioso, onde
existem as ruínas do chamado moinho dos trasgos, que foi abandonado pelo seu
moleiro por não poder suportar as travessuras de um que com ele partilhou o
mesmo habitáculo (Diabos, Diabritos e outros Mafarricos Alexandre
Parafita, 2003). Em Vinhais existe uma curiosa história de uma mulher que
incomodada por um trasgo na casa que habitava, decidiu mudar para outra habitação
para fugir às travessuras constantes do pequeno ser rebelde. Quando estava nas
mudanças encontra um menino de gorro vermelho que carregava um banco de
cozinha. A mulher admirada pergunta: esse banco não é meu? Para onde o
levas? E o pequeno ser responde: Então não estamos a mudar de
casa? Para onde fores eu também vou! Quem não tem em si um pouco de
trasgo?!
Olharapos - ou
Olhapim (assim conhecidos em Trás-os-montes) são figuras gigantes que
apenas possuem um grande olho na testa (Ciclope).
Nos contos e lendas transmontanas o
olharapo é descrito como um ser antropófago, violento e feroz. O
que lhe sobra em força e em tamanho falta-lhe em produtividade e
sobretudo em inteligência (Alexandre Parafita, investigador de
Património Cultural Português). No concelho de Vinhais existe um
provérbio ligeiramente diferente do que conhecemos e que diz: Na terra
dos Olhapins quem tem dois olhos é rei. No entanto é muito interessante de
ver que o número de olhos deste ser assustador varia de região para região: em
Cabeceiras de Basto e em Guimarães os olharapos têm três olhos, dois na
frente e um no cachaço, razão pela qual tanto vêem para trás como
para diante (Leite de Vasconcelos in Tradições Populares de Portugal,
1882); em algumas regiões do Minho, têm quatro olhos, dois à frente e dois
atrás. Figura assustadora dos contos populares, há quem diga que vivem num país
distante, mas que podem aparecer de um momento para o outro...
Almazonas - também
chamadas de Almajonas, são mulheres muito altas que carregam os
filhos às costas e que fazem parte das lendas portuguesas.
Descritas nas
regiões da Beira e no Minho, como mulheres muito grandes e gordas, que
deitam os seios para trás e assim alimentam os filhos às costas (Leite
de Vasconcelos in Tradições Populares de Portugal, 1882). Perante uma
mulher bem nutrida era muito comum dizer-se: aquilo é uma almazona. A
palavra almazona, segundo Leite de Vasconcelos, tem origem em
amazonas, a que foi acrescentado o l por analogia a alma.
Muito curiosa é a lenda que tem origem em Famalicão, e que faz a distinção
entre Almazonas (mulheres grandes) e Allamóas, que
eram mulheres do reino da Allamanha, que traziam os filhos às costas e
nunca deixavam andar os homens com elas. Só uma vez por ano estes
tinham permissão para se aproximarem das mulheres, mas ao fim de certo tempo
eram expulsos. Quando nascia uma menina, ficavam com ela; quando nascia um
menino mandavam-no para os homens. Os homens eram os Allamões, gente muito
alta (Leite de Vasconcelos in Tradições Populares de Portugal, 1882).
Provavelmente esta lenda tem origem nas
invasões germânicas à Península Ibérica no século IV.
Através da tradição oral a história chega até nós, tantos séculos depois!
Tardos - ou Trevor é
um tipo de duende e é um ser mítico do folclore português.
Também é
chamado de pesadelo ou tardo moleiro, em algumas
regiões do país. O tardo é conhecido por importunar as pessoas
que estão a dormir causando pesadelos. Pode aparecer em figura de animal - cão,
gato ou cabra - e quando aparece nos caminhos, nos regatos ou em cruzamentos
tenta urinar em cima das pessoas, deixando-as entardadas (desorientadas) sem
saberem que caminho tomar ou onde se encontram. Em Guimarães o tardo é
considerado o diabo e só sai à noite. Um lavrador da Maia descreveu-o
assim: o tardo não é o diabo. É um bicho mau tal e qual como um
cachorro pequeno. Se alguém for por um caminho, de dia ou de noite, e o tardo
lhe urinar nas pernas, a pessoa fica entardada e depois não sabe para
onde há-de ir; só com o tempo é que se desentarda. O tardo aparece em
qualquer caminho, mas nos regatos é pior.
Figuras tradicionais quase esquecidas,
que armazenam pedaços da história do nosso passado. O folclore é a obra do
povo, e nós como povo que somos não devemos esquecê-lo. Além das
aptidões e das qualidades herdadas, é a tradição que faz de nós aquilo que
somos (Albert Einstein).
Fantástico !!! Eu tive um colega que era o "Olharapo"... eheheh ... adorei!!
ResponderEliminarSão muito giros estes seres lendários da nossa história!! Davam um bom filme de acção todos juntos! :))
EliminarObrigada, obrigada, obrigada!
ResponderEliminarAdoro estas histórias; não conhecia nenhum destes seres fantásticos!
Acho lindo não deixar morrer o que é tão nosso.
Fiz copy paste e guardei num documento para não em esquecer.
São tão espectaculares que me custa acreditar que não se fale deles actualmente. Pelo menos nós falamos!! Obrigada por me ajudarem a dar a conhecer as nossas tradições.
EliminarOra, já aprendi muita coisa lendo isto!
EliminarObrigada!
EliminarTenho um post que fala em "maus olhados" eheheh :D ... no fim acrescentei um link que reencaminha para esta página , porque acho que vale MUITO a pena ler
ResponderEliminarMuito obrigada!!!Assim fico sem palavras para agradecer...:)) É um orgulho para a Calçada da Miquinhas aparecer no blogue "A Contar vindo do céu". Muito obrigada mesmo!!!
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