Se a alma que sente e faz
conhece,
Só porque lembra o que
esqueceu,
Vivemos, raça, porque houvesse
Memória em nós do instinto
teu.
Nação
porque reencarnaste,
Povo porque ressuscitou
Ou tu, ou o de que eras a
haste,
Assim se Portugal formou.
Assim era Viriato nas palavras do
grande poeta português Fernando Pessoa, no seu livro a Mensagem. Herói
lusitano do imaginário português, Viriato tornou-se uma personagem épica pela
sua heróica resistência ao domínio e ao Império Romano. Muito se tem
escrito sobre este homem que viveu na Lusitânia, mas muito pouco se sabe ao
certo. O seu nome, Viriato deriva do ibérico viria, que
significa pulseira, uma abreviatura da palavra celta viriola (Mauricio
Pastor Munoz, in Viriato: A luta pela liberdade). Viriato
é originário da Lusitânia Ocidental, que confina com o Oceano, e mais
precisamente da montanha. A sua pátria parece ter sido a Serra da Estrela (Mons
Herminius), que domina a região situada entre o Tejo e o Douro (Adolf
Schulten, arqueólogo, historiador e filólogo alemão do século XIX).
Pouco
se sabe da vida de Viriato: não se conhece o nome dos pais, nem tão pouco o seu
ano de nascimento. Estima-se que tenha nascido por volta do ano 170 a 190 aC.
Apesar de imortalizado por Brás Garcia Mascarenhas, (militar e poeta
português do século XVI) na sua ode Viriato Trágico como
um simples pastor, Viriato pertencia a um dos clãs aristocráticos dos
Lusitanos, e não era um simples guardador de rebanhos, antes proprietário de
cabeças de gado (Mauricio Pastor Munoz, in Viriato: A luta
pela liberdade). Fez-se bandoleiro, pertencente a Confrarias de Guerreiros, que saqueavam as regiões mais ricas das planícies
do Sul. Nesta vida andava Viriato, quando o pretor romano Galba, furioso
pelas derrotas que os lusitanos haviam imposto às legiões romanas (...) fingiu (...) sinceros
desejos de paz, oferecendo-lhes férteis campos da Betica (actual
Andaluzia) (...) muito superiores aos ásperos montes em que
viviam. (...) Eles o julgaram sincero e em grande número se
apresentaram desarmados nos lugares que haviam sido designados para concluir a
proposta da convenção. Porém o traidor Galba, cercando-os com as legiões que
tinha ocultas, os fez barbaramente acometer a assassinar (Archivo
Popular, nº 20 de 12 de Agosto de 1836). Mais de 9.000 lusitanos
foram mortos, 20.000 escravizados e enviados para a Gália e apenas cerca de 1.000 lusitanos sobreviveram. Entre eles encontrava-se Viriato. Conhecedor
das técnicas de batalha dos romanos, dos anos de guerrilhas que com eles tinha
travado, reuniu os sobreviventes do massacre, e começou por introduzir nos
lusitanos a ordem e a disciplina, formando um exército.
Conquistando progressivamente zonas como Segóbriga,
Mancha e a Bética, tornou-se uma
preocupação para os Romanos a partir de 143 a.C. Um dos combates mais importantes que travou contra as forças romanas foi o de Erisane (situada no sul da Andaluzia) onde em 141 aC. conseguiu fazer um cerco ao exército romano liderado por Fábio Máximo Serviliano. Este confronto foi decisivo por marcar o fim da resistência armada oposta a Roma, tendo Viriato obrigado Roma a um acordo com o Senado romano, onde os Lusitanos viam a sua independência reconhecida, passando Viriato a possuir o estatuto de amigo do povo romano. O seu casamento com a única filha de Astolpas, um grande proprietário da Bética, por quem se apaixonou, demonstra bem o carácter simples e despojado de Viriato. Apareceu vestido de guerreiro com a sua lança na mão, e durante o banquete recusou os manjares que lhe ofereceram. Não se banhou e não ocupou o seu lugar à mesa, criticando a ostentação do sogro. Embora a mesa estivesse repleta de manjares requintados e de todo o tipo de comidas, apenas tirou pão e carne e repartiu-os entre aqueles que tinham viajado com ele. Depois tirou alguma comida para si e ordenou-lhes que fossem buscar a noiva (Mauricio Pastor Munoz, in Viriato: A luta pela liberdade).
Estrabão
definiu a Lusitânia de Viriato como a mais poderosa das nações da
Península Ibérica, a que, entre todas, por mais tempo deteve as armas
romanas. Viriato conseguiu não apenas a unificação dos
diferentes clãs lusitanos mas também comandar tranquilamente, sem cisões
internas, durante oito a dez anos. Diodoro da Sicília, historiador e filósofo grego do século I
a.C, afirmou que enquanto ele comandava, ele foi mais amado do que
alguma vez alguém foi antes dele.
No entanto Roma não esqueceu o
vexame que tinha sofrido às mãos de uns quantos bárbaros lusitanos,
pelo que anula o tratado firmado e declara novamente guerra
à Lusitânia. Roma envia novo general, de nome Servílio Cipião, para reiniciar os combates. Viriato, com a maior parte do seu exército já desmobilizado e com poucos meios de defesa, vê-se obrigado a recorrer a um novo tratado de paz. Envia três guerreiros de sua confiança, de nomes Audas, Ditalco e Minuros, para negociarem o
acordo. Cipião recorre ao suborno dos companheiros de Viriato, que em troca de dinheiro e
terras, assassinaram o seu chefe enquanto dormia. Viriato
perdeu a vida e os lusitanos perderam o seu grande líder e o seu sonho de
liberdade. Roma, a super potência da época, que se intitulava arauto
da civilização, venceu de forma inglória e apenas recorrendo à traição. Depois
da morte de Viriato, Roma rapidamente os subjugou ao seu
poder e a Lusitânia de Viriato curvou-se ao domínio do império Romano.
Viriato tornou-se um herói, imagem de liberdade e de respeito pela diferença.
Líder justo, de simples costumes, de personalidade forte e carismática,
corajoso e defensor da liberdade foi cantado e homenageado durante séculos.
Chegaram até nós vários poemas que a ele se referem, como este de Brás Garcia
de Mascarenhas:
Canto um Pastor, amores, e
armas canto,
Canto o raio do monte, e da
campanha,
Terror da Itália, e do mundo
espanto,
Glória de Portugal, honra de
Espanha:
Triunfante da Águia, que
triunfando tanto,
Tanto a seus raios tímida se
acanha,
Que à traição, só dormindo, o
viu rendido,
Porque desperto nunca foi
vencido.
Também Luís de Camões, o
homenageou nos Lusíadas:
Este que vês, pastor já foi de
gado
Viriato sabemos que se chama
Destro na lança mais que no
cajado
Injuriada tem de Roma a fama.
Numa época que perdeu o valor
da tradição épica como estruturante da identidade dos seus povos, importa
relembrar a memória e o exemplo dos principais autores da sua História. (...) Se
perdemos a consciência da nossa identidade colectiva, como podemos
reivindicar o que quer que seja, como podemos reescrever a nossa História,
como podemos edificar o futuro? (António Manuel de Andrade Moniz in Viriato,
herói lusitano: o épico e o trágico).
Pena é que tão poucos Viriatos existam...