quinta-feira, 1 de maio de 2014

A liberdade de leitura


Ler é uma das mais belas ocupações humanas...abrir um livro, fixar o olhar na primeira folha e iniciar a viagem pelo mundo das palavras é magnífico! Adoro perder-me num livro. Desligar-me de tudo o que me rodeia, e sentir cada palavra, cada frase, cada descrição que me é oferecida. Sentir as emoções, viver os sentimentos, ouvir cada barulho, distinguir cada aroma e deixar-me ir através dos diferentes mundos que o livro me proporciona. Não existem impossíveis nos livros. Olhar para uma estante repleta de livros é como entrar numa máquina do tempo. Com o movimento da minha mão posso dar comigo na Grécia Antiga pegando na Apologia de Sócrates escrito por Platão, rapidamente passar para uma viagem ao futuro folheando Ao encontro com Rama de Arthur C. Clarke, como parar no tempo presente ao ler o Ensaio sobre a Cegueira de Saramago. Cada livro é um presente repleto de conhecimento. Todos os livros deixam a sua marca. Como escreveu Imre Kertesz (escritor húngaro de origem judaica, Nobel da Literatura em 2002) a quantidade de livros que dormem em mim, bons e maus, de qualquer tipo. Frases, palavras, parágrafos, versos, que, à semelhança de inquilinos inquietos, voltam bruscamente à vida, errando solitariamente ou entoando na minha cabeça conversas brutais que eu sou incapaz de silenciar. 
Mas o simples acto de escolher um livro para ler, que agora nos parece banal, foi durante muitos séculos, um acto perigoso. Até à Idade Média, existiam muito poucos livros e aqueles que existiam, escritos em latim, estavam na posse de uma elite restrita, da qual faziam parte o clero e alguns elementos da nobreza, dado que a maior parte da população mundial era analfabeta. Em 1517, com a reforma protestante iniciada por Martinho Lutero, e com a tradução de alguns livros, entre eles a Bíblia, para as línguas que eram faladas em diferentes países europeus, os livros começaram a ser divulgados e com eles deu-se o inicio da alfabetização das populações. O conhecimento espalhou-se rapidamente através das palavras escritas. Ideias novas e opiniões divergentes começaram a ser escritas e lidas. Uma população com conhecimento é difícil de dominar e era necessário por isso controlar a informação. Em 1559, o Papa Paulo IV, promulgou o Index Librorum Prohibitorum, o chamado Índice dos Livros Proibidos, que consistia numa lista de publicações literárias consideradas pela Igreja Católica como perigosas e como tal proibidas. O redactor principal do Índice dos Livros Proibidos que foi usado por toda a Igreja dependente de Roma durante mais de 400 anos, foi um frade português de nome Francisco Foreiro (1522-1581). Todas as obras literárias eram assim sujeitas à censura da Igreja. Após avaliação poderiam ou não obter a informação de nihil obstat que significa nada impede, e após o qual obtinham o carimbo de o imprimatur ou seja, deixe ser impresso. Quem ousasse possuir as obras proibidas corria o risco de ser julgado pelos Tribunais da Inquisição como herege. Quem escrevesse livros que posteriormente fossem considerados perigosos poderia correr o risco de ser ser condenado à morte, tal como aconteceu a Giordano Bruno em 1600.
Entre 1559 e 1966, altura em que foi abolido pelo Papa Paulo VI, mais de 4000 títulos fizeram parte desta triste lista. Figuraram nela nomes como Maquiavel, Galileu, Kepler, Descartes, Voltaire, Victor Hugo e Jean-Paul Sartre. 
Actualmente ainda existem livros considerados perigosos, para as diferentes religiões e para os diferentes estados. Livros como Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, foi banido de algumas bibliotecas dos EUA por dar a impressão de que o sexo promíscuo é legal; os livros da saga Harry Potter foram banidos dos Emirados Arabes Unidos e sofreu o protesto de lideres religiosos do Brasil e dos EUA, por incentivarem a bruxaria; Alice no País das Maravilhas, foi banido na China, por dar aos animais as mesmas qualidades dos humanos, colocando-os assim ao mesmo nível...
Tristes aqueles que se sentem ameaçados por palavras escritas. Como disse Unamuno ler muito é um dos caminhos para a originalidade; uma pessoa é tão mais original e peculiar quanto mais conhecer o que disseram os outros. E é tão bom ser diferente e original!!

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